terça-feira, 18 de novembro de 2014

A casa onde me tornei ateu


Já repararam que hoje em dia é cada vez mais difícil acreditar no que quer que seja?
Há um número crescente de pessoas que não acredita em Deus. Para isso muito contribuiu os escândalos da igreja, o raciocínio e a existência da Fanny.

Eu sou ateu. E preguiçoso. Aliás, se decidires ser ateu podes ser preguiçoso. Na verdade, conheço pouco de religiões mas desse pouco gosto de tudo: gosto quando são perseguidas; gosto quando provocam guerras; gosto, até, quando violam putos. Isso significa que eu não tenho que fazer nada pela causa do ateísmo. As acções das religiões permitem a continuidade da minha preguiça.

No fundo, dizer que sou ateu tem tanta força como dizer que não sou pedófilo. Aquilo que a classe dos pedófilos faz permite-me não fazer nada pela causa da não-pedofilia.

Eu disse que não era pedófilo? Peço desculpa. O que queria dizer é que ainda não sou pedófilo.
Não significa que o venha a ser; diria que as probabilidades são até remotas; mas não me apanham mais a dizer que nunca irei ser ou fazer uma coisa.
O Passos Coelho disse que nunca aumentaria os impostos e foi a pouca vergonha que se viu. Ele que se prevenisse.
Há uns anos, também eu disse que nunca provaria sushi - "Ai que nojo, peixe cru!" - e aquela merda é das minhas comidas predilectas. E só não é a favorita porque, sempre que como cá em casa tenho que ouvir a minha mulher:
- Hum, hum! Estás a comer que nem um javali! Para quem nunca ia provar...

Nunca mais me apanham com nuncas!

Então, sou ateu, ainda não sou pedófilo e amo sushi.

Na verdade, talvez seja ateu por respeito à minha família. Nunca consegui enveredar por uma das religiões que praticavam. Até aos 7 anos vivi numa casa com 10 pessoas, 4 quartos e 8 religiões. Aquilo era uma espécie de Jerusalém mas com pessoas que tomavam banho.

No primeiro quarto vivia a minha bisavó Eduarda com as cinzas do meu bisavô. Confesso que não sei bem a religião dela. Sei apenas que ela, quando casou, tinha 23 anos, e o meu bisavô 7. Não sei, talvez isso faço dela uma católica instantânea.

No quarto em frente viviam os meus avós.

A minha avó Maria era, e ainda é, evangélica, ou metodista, ou wesley... wesli... Eh pá, é daquelas igrejas que funcionam como os ginásios: o gajo que está à frente daquilo é brasileiro; as pessoas reunem-se numa sala onde estão todas de mão no ar a praticar a fé; e até ao dia 8 de cada mês têm que pagar a mensalidade.

O meu avô Joel era judeu. E masoquista. Também era do Sporting, o que em termos de sofrimento equipara-se. Todavia, era judeu. O que acontece é que foi ele que comprou aquela casa, a qual era em tudo semelhante a um crematório de Auschwitz: o corredor entre os quartos era estreito, escuro, soturno, triste; a cozinha cheirava sempre a gás; e comíamos muitas vezes porco, ligeiramente esturricado.

No terceiro quarto viviam as minhas tias.

A mais velha chamava-se Sofia e era Testemunha de Jeová.
Já sei o que estão a pensar! São uns chatos do camandro, são como os testículos porque andam sempre aos pares... Conheço as piadas todas!
No entanto, esta foi a religião que estive mais perto de abraçar. Trata-se da única congregação do mundo que segue a Bíblia à risca e consigo respeitar isso. Quando todas as outras pegam no livro sagrado e fazem "interpretações" de acordo com as suas intenções, há que enaltecer as ovelhas negras.
Porém, depressa descobri que o problema das Testemunhas de Jeová não é teológico senão estatístico.
Ora vejamos: segundo a Bíblia, aquando do Juízo Final, somente 10 mil pessoas irão para junto de Deus. Os Testemunhas de Jeová acreditam que serão eles os escolhidos. Acontece que eles são mais de 8 milhões!
Foi aí que comecei a pensar: toda a gente foge quando eles nos abordam; nunca ninguém ouve o que eles têm a dizer; e começam logo a falar de Jesus.
E cheguei à conclusão que os Testemunhas de Jeová não querem angariar fiéis - têm um desejo de morte! Eles precisam de ajuda para diminuirem o seu valor de 8 milhões para 10 mil.
Daí falarem de Jesus, que morreu crucificado; daí o seu capítulo favorito ser o do Apocalipse; daí terem anunciado mais do que uma dezena de vezes que o mundo ia acabar; daí não aceitarem transfusões de sangue...
Meus amigos, o que as Testemunhas de Jeová precisam não é de novos membros - precisam de meia dúzia de macacos do PNR para lhes limpar o sebo.
Eu já contribuí - e tu?

A mais nova das minhas tia era a Deolinda. Era puta, mas nós dizíamos a toda a gente que era muçulmana. Mas tinha lógica! Ela trabalhava numa recta, practicamente em frente à Meca dos Leitões, a maior dos serviços que tinha implicava estar quase sempre de joelhos, e era conhecida como o Alcoirão da Mealhada.

Ainda no mesmo quarto viveu o meu primo, filho do Alcoirão.
O Zé é a vergonha da família. Nunca se interessou por nada. Zero! Aliás, a única coisa pela qual o vi ter interesse foi pela maquilhagem da mãe. De resto, nada! E não é que o gajo, quando fez 16 anos, reuniu toda a gente na sala e anunciou que era agnóstico. Agnóstico! Ele não disse por estas palavras, mas nós percebemos. O que ele disse foi: "A partir de hoje, quero ser tratada por Tatiana." E agnóstico é ser isto, é um gajo não saber se é uma coisa ou outra. É, perante a dúvida, continua a duvidar.
Amigos, ser agnóstico, para mim, tem tanta lógica como rever os filmes do David Lynch: por muitas dúvidas que tenhas, vais continuar a tê-las.
Porque um ateu, mesmo não acreditando, acredita na existância do nada. O agnóstico é o cagão: "o que tiver que ser, será." É claro que, para defender algo, para acreditar em algo, mesmo que seja em nada, há que ter tomates. E a Tatiana claramente não tinha!

Chegamos ao quarto e último quarto: o meu e o dos meus pais.
A minha mãe era protestante; o meu pai, satânico. Foi de luzes apagadas que, quando eles pensavam que eu estava a dormir, ouvi muitos debates teológicos. Vejamos um exemplo:
M: Achas que ele já está a dormir?
P: Já. Anda! Vamos a isso!
M: Oh! E se acorda?
P: Não acorda nada! Anda, meu anjinho!
M: Está bem. Anda cá!
P: Já estou!
M: Já?
P: E assim?
M: Oh, sim! Mais devagar!
Cá está, a minha mãe a começar a protestar.
P: Quem quer levar um tau-tau do diabrete?
O meu pai a entrar no satanismo propriamente dito.
M: Ai, Jesus! Ai, meu Deus!
Pumba! Contra-ataque ao Satanás com duas entidades divinas.
P: Oh, Diabo!
M: Ai Jesus!
P: Oh... oh... oh... diaaaaaaboooooooooooooo!
[...]
M: Já está?
[...]
P: ZZZzzzzzzzzzzzzzzzzz.
Aqui está! A minha mãe queria mais e eu também. Houve outras noites em que a minha mãe se queixou da profundidade e que o meu pai não a preenchia devidamente. Não quero aqui tomar partidos, mas também acho que o meu pai ficava atrás em profundidade. Já o meu tio Alberto, todo ele era profundidade.

Cá está! Perante uma casa tão ecuménica, optei pelo ateísmo.

Sem comentários:

Enviar um comentário