quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A despensa do podologista

MULHER:
Querido, passa-me aí os alhos para o refogado.

PODOLOGISTA:
Dá-me dois minutos! Estou só a terminar o tratamento aos calos da D. Almerinda.

MULHER:
Ok! Olha, está aqui fora o consultor para falar contigo.

PODOLOGISTA:
(para a D. Almerinda) Já está! Olhe só para isto, que maravilha! Parecem os pezinhos de uma gueixa. Não se esqueça: calçado confortável e esta pomadinha todos os dias. Até para a semana!

D. ALMERINDA:
Ai, Dr. Tó! O senhor é um milagreiro! Até para a semana.

PODOLOGISTA:
Querida, aponta aí as faltas para os tratamentos: cebola, flôr de sal e polpa de tomate. Manda entrar o consultor.

CONSULTOR:
(surpreso e a olhar em redor) Boa tarde. João Ricardo, muito prazer.

PODOLOGISTA:
Boa tarde. Trate-me por Tó. Sente-se aqui neste saco de batatas.

CONSULTOR:
E... em que é que a Consultora Que Consulta Melhor que os Outras o pode ajudar?

PODOLOGISTA:
Preciso de um plano para ver quais as melhores condições para expandir aqui o meu negócio.

CONSULTOR:
Mas... Mas... Mas... Mas isto é uma despensa; de um apartamento!

PODOLOGISTA:
Daí a oportunidade! Já viu as possibilidades de franchising? Toda a gente tem uma despensa!

CONSULTOR:
O senhor é podologista, correcto? O que é que tem contra os consultórios normais?

PODOLOGISTA:
Sou, sim. E não tenho nada contra os consultórios. O que acontece é que, desde o incidente, a modos que estou proibido de exercer a minha arte dentro deles.

CONSULTOR:
Espere. O senhor está proibido de exercer podologia e quer fazer uma expansão de negócio mesmo assim? A partir de uma despensa?

PODOLOGISTA:
Eu nem preciso de exercer. O negócio está no ingrediente secreto, que deve ser guardado da despensa.

CONSULTOR:
Então trata-se de um ingrediente secreto para os pés? E estamos a falar de quê?

PODOLOGISTA:
Foi por isso que expulsaram da ordem. Por inveja e por pressão da indústria farmacêutica. Só pode. Este ingrediente é totalmente natural e orgânico. Sabe, quiseram-me colocar de pés para a cova. Um provérbio literal para os podologistas, percebe?

CONSULTOR:
Sim, boa graça. Mas que ingrediente é esse?

PODOLOGISTA:
Encontrei-o por acaso. O meu sogro é agricultor e, há uns anos, deu-me uma caixa de pimentos padrón. Um dia, estava com a agenda lotada e levei um caril de galinha para o almoço, que havia sido cozinhado os pimentos do meu sogro. Foi o dia inteiro a desentortar pés por causa das botas texanas. Era a moda da altura, que deixava os pés todos entrevados.

CONSULTOR:
Mas davam muito estilo!

PODOLOGISTA:
E joanetes! A seguir ao almoço, qual não é o meu espanto, comecei a bater recordes no tratamento e com eficácia imediata. O caril estava de tal forma picante que fiquei imediatamente com a boca dormente. Aquilo é daquele picante que as hemorróidas nascem como pipocas a rebentar. Tive que trabalhar a parte da tarde de pé e com a inclinação, juntando à dormência da boca, comecei a babar-me para cima dos pés dos pacientes. Eles não repararam mas, apesar da vergonha inicial, fiquei siderado com as propriedades curativas da minha baba.

CONSULTOR:
O senhor tratava os seus pacientes com baba?

PODOLOGISTA:
Tratava, não! Trato! Vim a saber que aqueles pimentos padrón haviam sido enxertados com aloé vera, tabasco e jalapeños mexicanos. Uma bomba! Mas extremamente eficaz!

CONSULTOR:
Está a dizer-me que resulta mesmo?

PODOLOGISTA:
Quer ver? Tire os sapatos e as meias. Eh lá, que calcanhares tão secos! Querida, traz-me o refogado do Tó. (entra a mulher) Obrigado, querida! Ora, então, bota abaixo! Dê cá o pé direito. Olhe para isto!

CONSULTOR:
Não posso crer! Passou tudo! Parece o calcanhar de um bebé. Ó homem, isto em frascos era uma mina de ouro!

PODOLOGISTA:
E digo-lhe mais. Para mim, era uma gama inteira. É que, depois da digestão, consigo fazer crescer o cabelo a um careca.

CONSULTOR:
O senhor também achou uma cura para a calvície?

PODOLOGISTA:
Também por acaso. Ingerir isto todos os dias tem o seu preço. As idas à sanita têm sido urgências. Uma vez, estava a minha mulher na casa de banho e eu tive que improvisar. Lembrei-me da casa de banho do gato e aliviei-me lá. Só depois é que reparei que o gato estava lá dentro. O Bolinhas tinha umas peladas e, passados dois dias, apresentava uma frondosa pelagem. Ou seja, não só tenho baba de Tó para venda, como cocó de Tó para barrar nas carecas desse mundo fora.

Sem comentários:

Enviar um comentário