segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Democracia do Fetiche


A uma semana da realização das eleições legislativas, as sondagens da RTP/Universidade Católica e do Público dão a vitória à coligação do PSD/CDS. Depois do choque inicial, entrei naquela fase do luto designada de aceitação. Um país onde o livro mais lido dos últimos tempos é As Cinquenta Sombras de Grey e seus sucedâneos, que versa sobre sadismo light, tem que contrabalançar na política com masoquismo hard-core.

Vencido o trocadilho óbvio, vamos tentar ir mais além. Quando viajamos em transportes públicos, no meu caso entre Ovar e o Porto, ouvimos uma frase comum relacionada com políticos, proferida por diferentes pessoas: “Até podem mudar as caras, mas fica sempre tudo na mesma.” Para os intelectuais, para os que acompanham diariamente os jornais, para os politólogos, parece uma frase redutora. Contudo, comporta uma verdade: a ideia de que o nosso voto não gera mudança. E aqui reside a gravidade.

Em primeiro lugar, faz com que eu, que tenho um mestrado em História Contemporânea e já votei Bloco de Esquerda, tenha que concordar com o meu avô nessa ideia de que nada muda, ele que nunca estudou na vida e tem resquícios salazaristas no cerebelo. Em segundo lugar, mostra que o descrédito num ato eleitoral em democracia é o descrédito na própria democracia.

No dia a seguir às eleições legislativas, celebram-se 115 anos da implantação da República Portuguesa, instigada e perpetrada pelo Partido Republicano Português, contra uma monarquia moribunda, onde dois partidos – Regenerador e Progressista – alternavam no poder sem dissonância política entre ambos. Não quero soar a Vasco Pulido Valente, mas o sentimento 115 anos depois não é muito diferente – apenas o regime em que se insere. A Primeira República teve o domínio do Partido Republicano e suas nuances, e a ditadura conheceu o monopólio da União Nacional. Nos três regimes – Monarquia Constitucional, Primeira República e Estado Novo – houve, em certa medida, uma ausência de escolha e uma secundarização do cidadão nessa escolha. O mesmo não deveria acontecer em democracia.

A Comissão Nacional de Eleições apresenta a democracia portuguesa como representativa, em que o poder soberano “reside no povo” e “é delegado  em cidadãos que o representam na tomada de decisões, interpretando o sentir da população e respondendo às suas aspirações”. Ora, um povo que vota com base em promessas, programas eleitorais e slogans, que são constantemente rompidos após as tomadas de posse, tem todo o direito a sentir-se indefeso, enganado e, acima de tudo, inerte. Vivemos numa democracia do mal menor, numa banalidade da inércia, na ideia de que, façamos o que fizermos, pouco ou nada acontece. Como democrata convicto, esta ideia envergonha-me.
Nas últimas eleições legislativas de 2011, 58% da população portuguesa recenseada foi às urnas. Mais de 4 milhões de pessoas ficaram em casa. Se juntarmos estes “indiferentes” aos votos nulos e brancos, ficaríamos a uns escassos 117 mil votos de igual a votação nos três principais partidos votados – PSD, PS e CDS. Ter 42% das pessoas que optam por não votar é mostrar que a nossa imberbe democracia está a falhar.

É por isso que proponho que deixemos de lado a representação proporcional, em que os 58% de votantes permitem o preenchimento total dos lugares da Assembleia da República - 230. 58% dos votantes deve representar 58% da Assembleia. Os 42% que ficaram em casa não estão em silêncio. Mais de 4 milhões de pessoas não se revêm neste modelo. Façamo-las ser representadas por lugares por preencher na Assembleia da República. 58% de votantes representam 133 lugares no hemiciclo.
Vamos responsabilizar quem vota, quem não vota e, sobretudo, quem é votado. Só assim a democracia será ouvida, sentida e falada - quando todos sentirmos que fazemos parte dela. E aqui, sim, poderíamos ser masoquistas, mas também dar espaço a quem tem outros fetiches.

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