quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Da condição feminina e piqueniques II



(Continuação do relato da D. Adosinda) - Lê a primeira parte aqui.

Chegamos à mata da Gafanha da Encarnação por volta das 6 e 30. Já lá estava a minha irmã Alice a guardar lugar e, por isso, quem ficou de trombas foi a Gertrudes, que chegou depois. A minha irmã perguntou-me se aquilo eram horas de chegar, eu pedi desculpa, e o meu homem virou-se para mim:
«Aquilo é que é uma mulher. Se eu soubesse o que sei hoje, tinha casado com a tua irmã.»
E ainda bem que não o fez, só andou enrolado com ela aqueles dois anos e deixou-a, porque ele é bom homem e muito trabalhador; tive muita sorte! 
Descarreguei a carrinha e o meu homem ainda me ajudou com a arca; ele gosta de começar a beber cedo, diz que relaxa melhor assim. Eu não acho, até porque ele relaxado fica com a mão mais pesada! Tive um hematoma aqui, na maçã do rosto, que demorou a desaparecer quase um mês e foi, precisamente, quando ele chegou a casa às tantas, de estar na tasca com os amigos.
A Alice e eu começámos a tratar do almoço enquanto os homens jogavam à malha: pôr toalhas, montar as tendas, dispôr os pratos, ligar o camping gaz para aquecer a comida e ainda nos rimos muito quando vimos que as duas trouxémos talheres:
«Então, eu não te disse que esta era a minha vez? Vieste carregada para nada!»
Que belo momento! Os homens ouviram-nos a rir e gritaram lá de longe:
«Estão a rir-se de quê? Vejam lá é se esquecem da comida ao lume! Raio das mulheres! Tem que se 'tar sempre em cima delas!»
E tinha razão o meu cunhado. Já bastou a malandrice a preparar as coisas todas. Nisto, são quase dez e meia e os homens querem começar a almoçar. Fui buscar a arca que estava ao pé deles e reparo que já só tem 7 cervejas. Nós tínhamos trazido 80. Estou feita, já vou ouvir!, pensei. Olha, afinal não, porque o meu cunhado vem de gatas e o meu homem ri-se em alto e bom som. Antes de chegar à toalha, o meu cunhado adormece no caminho. O meu homem ainda come um pedaço de broa com chouriça, mas também adormece com a cara metida no bolo de cenoura.
Aqui começa a grande azáfama.
Dantes, acontecia isto e os homens acordavam por volta das 4 da tarde, olhavam para as horas, reparavam que não tinham comido, lembravam-se que o Benfica jogava às 5; batiam-nos por nós não nos termos lembrado disso, e por eles irem ver o jogo de barriga vazia.
Agora não!
A Alice e eu comemos quase tudo, vamos oferecer comida aos outros piqueniques e o que sobra largamos na mata. Entretanto, besuntamos rissóis na cara dos homens, largamos molho do cozido na roupa deles para deixar nódoa, colocamos pedaços de presunto nas bocas e empurramos um pãozinho pelas goelas abaixo. Quado terminamos, faltam 10 minutos para as quatro e, aí, sim, relaxamos a fazer uma rendinha.
Eles acordam e devem estar com fome mas, já sabe como são os homens, nunca querem dar parte fraca; vêem as nódoas e sentem o sabor da comida e já só se preocupam com o Benfica.
É o meu momento preferido da semana.
Depois do Benfica, o meu homem regressa a casa e faz lá as coisas dele à minha cara, mas nunca mais o fez durante os piqueniques.

Adoro piquenicar. Adoro!

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