sexta-feira, 21 de junho de 2013

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Pragmatismo partidário

Notícia de última hora:
Ganhou o 'sim', com uma maioria de 78%, a favor da diferenciação partidária entre destros e canhotos.

O referendo torna este 28 de Junho de 2033 num dia histórico: o dia que pode ficar conhecido pela abolição partidária.
Culmina assim o que começou em 2029, logo após a alienação e consequente desaparição do Partido Comunista, pelo movimento civil "Não (h)áà direita e esquerda, apenas destros e canhotos".
Para nos ajudar a compreender melhor o significado deste desenlace, temos connosco em estúdio o nosso comentador político residente:
- Podemos dizer que tudo começou com um imbróglio capitalista sobre os comunistas, não é assim, Nuno?
- De facto!
- Queres-nos explicar melhor como foi isso?
- Bem, tudo começa no Iémen, quando Aashir ibn Mohammed se torna magnata na sucessão ao pai, Mohammed ibn Mohammed, ao assumir a liderança da empresa produtora de qat Alá é Grande Mas o Qat Não lhe Fica Atrás (نذ ال له فمن عظيم لكنا ل القات ليس هو م). Eram bem conhecidos os hobbies deste excêntrico: coleccionar comunistas e brandir varas de porcos em aldeias com escassez de víveres. Recordo uma viagem a Pequim, em que tentou colocar na bagagem de porão membros do Comité Central do Partido Comunista Chinês. Foi preciso a intervenção do pai para o safar de uma longa estadia nas cadeias chinesas.
- Sim, isso é do conhecimento público. Queres contar como aconteceu a desmantelação do Partido Comunista Português?
- Bom, ele faz uma primeira abordagem logo no ano em que assume a direcção da empresa. Isto foi em 2025. Apareceu em Lisboa a dizer que queria comprar o PC, oferta que foi rechaçada de imediato. Viu que tinha que fazer uma abordagem diferente. Regressou a casa e três anos depois teve a grande ideia. Lembrou-se de comprar a herdade da Amora onde decorre a Festa do Avante, o que aconteceu de imediato, deixando o partido tão desorientado como nos anos em que Estaline começou a falar mal de Trotski. Aashir teve então um golpe de mestre. Disse que a festa decorreria normalmente, mas com três nuances: da Amora passaria para Sana; o transporte e as entradas seriam grátis; haveria fornecimento de qat sem restrições (e de forma grátis, também). Depois de alguma desconfiança inicial, o partido lá assentiu, até porque antes de os membros serem do partido comunista, são portugueses, e todos sabemos o que os portugueses pensam acerca da gratuitidade do que quer que seja. O facto de haver narcóticos sem restrições, também ajudou.
- Foi aí que se deu o rapto.
- Eu não falaria em rapto. Foi mais um 'takeover' alternativo. O PC voou para Sana de livre vontade. E como sabemos, como não acreditam na CMVM, qualquer 'takeover' sobre o Partido seria sempre diferente. Podemos dizer que foi uma aquisição forçada, não declarada, com efeito, mas executada dentro dos trâmites legais, de acordo com as tábuas do deserto do Iémen.
- E foi aí...
- Aliás, desculpa interromper, mas houve uma operação que podemos classificar como legal aos olhos do Ocidente. Estou a falar da alienação dos Verdes. Como sabemos, os Verdes voaram com o PC para participar na Festa do Avante. Quando Aashir se quedou com o PC, não sabia o que fazer com os Verdes. Estava já a desesperar e para isso muito contribuiu os gritos da líder do partido. Foi aí que apareceu a Cornfaking & Sons, empresa de comida sediada no Texas. Depressa se interessou pelos Verdes e a operação decorreu num ápice. É claro que isso significou o fim dos Verdes. Veio-se a saber mais tarde que Jim McGrady, o CEO da Cornfaking, utilizou os Verdes para sulfatar latifúndios de milho transgénico, sob o argumento de utilização de produtos ecológicos.
- O fim dos Verdes e do Partido Comunista, correcto?
- Não creio. Acredito que o Partido Comunista, de certa forma, regressa às suas raízes.
- Como assim?
- Os seus membros não foram eliminados. Aashir utiliza-os como pastores das varas de porcos que possui. Será um pouco como um regresso à clandestinidade, debaixo de um sistema opressivo. Portanto, ideologicamente existem enquanto existirem fisicamente. Pelo que soube, mesmo na linguagem mantêm-se activos e utilizam frequentemente a expressão "porco fascista".
- Ficaremos atentos. Falemos agora do significado do referendo. Como fica a política portuguesa?
- Creio que o dia de hoje pode ficar conhecido pelo dia em que a política se descomplicou. Até aqui tivemos uma alternância bipolarizada mas nunca bipolar. Aliás, de bipolar só mesmo a diferença entre o dizer e o fazer. Com o PC fora da cena política, o que já havia acontecido ao Bloco após as jornadas convocadas pelos dissidentes "Futuro da Esquerda: Tu já não és de Esquerda como Antigamente" que terminou como se sabe, os eleitores passaram a ter dificuldade em distinguir quem nos governava. Já não falo ideologicamente, pois penso que nunca o conseguiram, mas refiro-me sobretudo ao facto de a mesma marca de fatos vestir os dois principais partidos.  
- Como ficará então a Assembleia?
- Acima de tudo, optimizada. Optimizada em espaço, pois os deputados passam a sentar-se na mesma orientação consoante a inclinação caligráfica, podendo subalugar o restante espaço para todo o tipo de eventos. E optimizada em termos energéticos, decorrente da condição anterior. O facto de estarem sentados na mesma orientação, permite encaixar os deputados naquilo a que comummente se designa de 'conchinha', fazendo com que a temperatura corporal aumente e diminua, por conseguinte, a utilização do aquecimento.
- Estamos a esquecer-nos de um partido, não é?
- Pois...
- Desculpa a interrupção, Nuno. Acaba de chegar à redacção uma notícia que pode manchar este dia. No largo Adelino Amaro da Costa confirmou-se o pior: toda a direcção do CDS, juntamente com os seus militantes, foram encontrados mortos no interior da sede do partido. Não se pode dizer que seja um desfecho surpreendente, pois a continuidade do partido muito dependia da vitória do 'não'. Perante um resultado adverso, sabia-se que a condição estatutária de ambidestria não seria tolerada num novo panorama político. À entrada para a reunião ainda se pensava que pudesse haver uma espécie de refundação, pelo menos pelas palavras de um dos seus dirigentes que dizia, e passo a citar, "O Freitas é que foi esperto!". É uma notícia que vamos continuar a acompanhar.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fronteira é a primeira pessoa do singular

Da categoria: Livros do caralho (para ser dito em voz alta e com sotaque de São Paulo)


Javier Cercas é daqueles escritores que não regressa, até porque nunca foi a lado nenhum. Vive na mesma rua de sempre, lado a lado com Flaubert, Bolaño e Vila-Matas, isto só nos números ímpares.
Neste Las leyes de la frontera (2012; Literatura Mondadori) mistura-se ficção com farsa. Logo, procura-se a realidade. Naquilo que aparenta serem as entrevistas de um escritor para recolher material para um novo livro, isso é o livro.
A acção decorre em 1978, num bairro periférico de Gerona, povoado por pessoas periféricas, quando a imberbe democracia sonhava ainda humidamente com Franco.
Gafitas, o narrador maioritário, menino de classe média e 'bullyngofóbico', vê no grupo de Zarco, formado por delinquentes profissionais, a oportunidade de se imiscuir. A oportunidade surge num felácio executado pela delinquente Tere, no WC do salão de jogos Vilaró. A vontade de se integrar veio de imediato: todo ele queria integrar-se ou, pelo menos, parte.
Naquilo que poderia ser um livro de aventuras, de romantismo delinquente, de tonteria adolescente, rapidamente se transforma no inverso. As personagens tornam-se reais por nos apresentarem a sua realidade, permitindo ao leitor apanhá-las nas suas mentiras. E faz-nos pensar na famosa frase de Dr. House: "Everybody lies". E quem mente são as personagens através das verdades de Javier Cercas. Neste caso, se calhar não mentem. Olham para a realidade com a miopia do entendimento individual.
E mais não digo, por duas razões: os livros bons não merecem resumos senão o texto integral; o Javier Cercas merece críticos que não vivam em savanas.
Um livro que devia ser acompanhado com aqueles óculos para ver o Avatar, mas com mais graduação, até porque estas personagens são mesmo tridimensionais.


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Acerca de Las leyes de la frontera, veja-se:
http://www.eldiario.es/catalunya/diaricultura/cultura-literatura_6_117998214.html