quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Breaking Bed

Não compreendo o 'buzz' em torno da série Breaking Bed.
Já vi melhores.
Primeiro, porque nunca tinha visto uma série que só tinha um episódio.
Segundo, porque não tinha nenhum japonês no elenco. Na minha cabeça, pensava que se tratava de um cidadão do país do sol nascente, habituado a dormir numa esteira rente ao solo e que viajava para o Ocidente para se vingar dos hábitos destes, fazendo aquilo que o título da série indica: partir camas.
Nada disso!
Trata-se da história de um indivíduo careca, de nome Walter Big Black, que se faz valer de um cancro para penetrar na casa de ingénuas senhoras, sob o argumento que elas o poderão curar se o besuntarem no baixo ventre com um unguento azul. As solícitas senhoras depressa ajudam Walter e terminam todas elas com um ar muito satisfeito, com o ar de quem praticou a boa acção diária, para depois descobrirem, mal Walter abandona a casa, que têm a trave mestra da cama fracturada.
É como digo: já vi melhores.
Talvez o que me tenha deixado mesmo desiludido foi o argumento, uma vez que quem escreveu aquilo dá o mesmo nome a todas as senhoras: Bitch.

Dentro do género, existe muito melhor. Sugiro:

- 24 in one, com o grande Jack Brocker, em que o herói da série abnega-se em prol da salvação dos Estados Unidos (logo, Humanidade). Jack, agente renegado da CIA (Cocks In Asses), tem como missão arranjar uma nova fonte de energia, quando todas as outras acabam. A solução encontra-se entre as pernas de uma senhora com um passado duvidoso: Celina. Jack terá que passar 24 horas em fricção contínua com Celina, para que a energia continue a fluir. Entretanto, como os americanos consomem muita energia, Jack vai telefonando para a base, para que esta arranje mais agentes abnegados, de modo a revezarem-se em Celina. Explosivo! 


Novidade de última hora

Não queria ser eu a dar esta notícia, mas por que razão continuamos a celebrar o dia de nascimento de um indivíduo que morreu há 1980 anos?
Pior: daqui a 40 dias estamos a celebrar a sua morte.
Decidam-se!

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Distribuição equitativa de flyers

Queria dizer que estou extremamente indignado, atingindo nível 8.3 da escala de Marinho Pinto.

Aproximava-me eu de um rapaz que distribuía publicidade na rua, talvez rastreio visual grátis, ou 10% de desconto em meio perfume seleccionado... bem, não interessa! O que interessa é que me aproximava para receber o papel que toda a gente estava a receber, o papel que ia encher de descontos o caixote do lixo mais próximo, e não é que o band... o publicista opta por não me dar o papel a mim!
Mas que é isto?
Qual é o critério de selecção deste especialistas de esquina em entrega de pedaços de celulose?
"Ui, dos 8000 papéis que tenho para entregar, acho que não vou dar um a este indivíduo. É desperdício."

É que nem me deu oportunidade para recusar!

 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Swing monogâmico

Ao abrigo das muitas questões que me colocam (e não, não atendo em casa), e por já se terem apercebido que aqui há respostas para o que realmente interessa, vou fazer por ir respondendo a algumas delas.

Questão do dia: Como apimentar o romantismo num casal esquizofrénico?

Resposta extremamente inteligente: Averiguar o que os faz virar do capacete, provocá-los para virarem do capacete ao mesmo tempo, colocá-los num quarto com motivos de veludo e música do Barry White, praticarem sexo escaldante e, no fim, acharem que estiveram num bacanal com prostitutas e marinheiros.

Moral: Se o puderes fazer, faz muito. Se, para o fazeres, precisas de muitos, então arranja um que seja outros.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ich bin ein Berliner

Algures em Berlim, fim da tarde do dia 9 de Novembro de 1938

Um homem poisa o livro do momento, de seu título Mein Kampf, e profere, para si, a seguinte frase:
- Estava a ver que não! Alguém que trate daqueles parasitas!
Dirige-se à cozinha, onde se encontra a esposa, e informa:
- Esther, vou para a sinagoga.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Disfunção eréctil e 11 de Setembro

Tenho para mim que as farmacêuticas deviam distribuir um DVD com as imagens das torres a caírem juntamente com os comprimidos para combater a disfunção eréctil.
Digamos que serviria como plano de recurso.
Deste modo, sempre que as drageias não surtam efeito, o homem coloca o DVD e diz:
"Vês, aquelas torres eram de aço e cimento e nem com dois aviões a chegarem-se elas se mantiveram em pé."

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Moby Dick Was a Sardine

Ideia para livraria de best-sellers:

Na livraria 'Moby Dick Was a Sardine' os clientes não deambulam pelos corredores, não percorrem as estantes, não cheiram as lombadas.
Na livraria 'Moby Dick Was a Sardine' não encontramos corredores, não vislumbramos estantes, não vemos lombadas.
Na livraria 'Moby Dick Was a Sardine' os livros estão expostos numa espécie de ilha gigante, de face para cima, encavalitados uns nos outros, e guardados pelo livreiro e proprietário Moreau.

A livraria é rodeada a toda a volta por uma varanda corrida, a uma distância de cerca de três pisos.
Os clientes apenas podem apreciar a livraria da varanda.
Os clientes que quiserem comprar livros têm que entrar num dos quinze mini-faróis dispostos na varanda.
Dentro do farol, encontramos todo o material necessário para a transacção: uma cana de pesca, um terminal com RFID, uma caixa de verga com a insígnia da loja (onde se lê: "Oh, my cod! I survived Moby's Dick") e um marcador espinhoso.

As regras da compra são simples: o cliente pega na cana de pesca (em que o fio não é fio, somente goma viscosa do género 'Pega-Monstro'), selecciona o artigo a adquirir e tenta pescá-lo. Segundo a política da loja, se o cliente pescar o livro à primeira tentativa, tem 30% de desconto; à segunda, 20%; à terceira, 10%; às quarta e quinta, zero.
A partir da sexta tentativa, o livreiro Moreau opta por uma de duas hipóteses: ou bane temporariamente o cliente por azelhice, enviando-o para a Ribeira de Alge durante duas semanas, para apanhar robalos com as mãos; ou traz ele o livro até ao cliente, num elevador próprio, com a particularidade de lhe colocar o livro no cesto de verga, logo seguido de três tabefes com um rabo de bacalhau.

A mezzanine do livreiro Moreau tem uma alta taxa de satisfação, até porque os clientes acabam todos por ser esbofeteados pelo fiel amigo, sempre que falham a pesca do livro de reclamações (estrategicamente colocado sob 433 exemplares do último livro de José Rodrigues dos Santos).

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Patentear o passado

Perante esta ligação, o Javali teve ideias:
  • Obter direitos de autor pela invenção da roda:
Eu não tenho culpa que o acaso me tenha feito existir apenas no séc. XX. Tenho a convicção firme de que, se tivesse vivido no final do Neolítico, teria dito: "Pcht, oub'lá ó Martins [nome comum da cultura de Maikop], por que não transportas tu essa caçada de javalis em cima do meu carro de rolamentos de pedra lascadinha. Assim não dás cabo das cruzes e podes voltar a ser bípede. Lá está, é da maneira que deixas de te queixar das sodomizações [prática comum da cultura de Maikop]."
  • Mudar o nome de Marxismo para Javalinismo: 
Como continuo sem perceber o porquê de umas pessoas nascerem antes das outras, sem pedirem autorização aos vindouros para poderem inventar coisas e cenas que esses poderão querer inventar, digo que pensei no Marxismo antes de Marx.
No Javalinismo, queria eu dizer.
O barbudo de Trier pensou nos pobrezinhos quando contava quase com 30 anos, enquanto eu pensei neles quando tinha 14. Bem, não em todos os pobrezinhos, que são muitos, mas como tinha que começar por algum lado, pensei em iniciar comigo.
Como qualquer grande quadro ideológico, este também nasceu da necessidade (e do 'bué da' tempo livre):
Todos os fins de tarde sentava-se em frente à TV a ver o Marés Vivas e questionava-me (depois de uma sessão de auto-satisfação, obviamente):
"Como é que um gajo pode deglutir uma gaja como a Erika Eleniak?"
 E nada!
Os dias passavam e rien.
Aconteceu até ir correr para a praia com um meco de sinalização ao pescoço (que era o mais próximo que existia das bóias de salvação do programa televisivo) para ver se chovia alguma coisa.
Quando folheava a Super Pop de Julho de 1993, deparei-me com a realidade: a Erika namorava! E não era um namorado qualquer: era rico!
Foi aí que desenvolvi aquilo a que as pessoas chamam (erradamente) de Marxismo. Não desenvolvi imediatamente, pois a Super Pop daquele mês trazia um poster central da Erika e fiz um intervalo no WC mais próximo.
Bem, havia uma solução óbvia: tornar-me rico. Mas como era um gajo cool não queria correr o risco de me poder tornar num filho da puta.
Ora, se só os ricos (esses opressores) tinham acesso a gajas boas, tínhamos que mudar de paradigma: os pobrezinhos também deviam ter direito a comer gajas boas.
A ideia era muito simples: abolir a posse de Erika's (propriedade privada) em favor da colectivização das mesmas.
Como o Marxismo, também o Javalinismo tem muitos adeptos teóricos e muito poucos praticantes.
A culpa também é minha, que não me exprimo muito bem, sobretudo desde o dia em que propus ao Tomás, o meu amigo do râguebi, para partilhar a Celeste com os amigos.
É muito difícil discursar sem incisivos e caninos, e quando as palavras parecem todas compostas por éfes.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O escritor que se esqueceu de escrever VII

(continuação da continuação da continuação da continuação da continuação da continuação - parte 6 aqui)

  • Versos em Reverberação (2032), poesia interactiva
A decadência literária de Bruno é atestada pela segunda e última publicação na sua nova editora, uma vez que é despedido logo após a publicação deste livro. Se este livro tivesse saído no auge literário de Bruno poderíamos falar duma espécie de renascimento do surrealismo; como estávamos nos apeadeiros finais, observou-se uma forma de patologia psiquiátrica. O que o autor nos oferece é uma série de ecos, propondo ao leitor a adivinha da rima. Observe-se os seguintes exemplos:
...ração...ação...ção...ão...ãããooo _______________________________________
...abrão...brão...rão...ão...ããããoo  _______________________________________
...oder...der...der...er...eeeerrrrrr  _______________________________________
...uta...uta...uta...ta...ta...aaaaaaa _______________________________________
...avali...vali...vali...ali...liiiiiiiiiii  _______________________________________
...aneleiro...neleiro...leiro...eiiiiro _______________________________________
Chegava ao fim a produção literária de Bruno, sob a sua pena, sem glória.
Os louros viriam depois, em duas tranches: primeiro, com o seu livro de maior sucesso (que não era seu) e, segundo, com o maior prémio literário que um escritor pode almejar.
  • Vim das Gónadas do Meu Tio (2038), autobiografia não autorizada
Caído no olvido, Bruno deambula pelas ruas, onde passa a dormir. No Inverno de 2037, Nélson Baltasar reencontra Bruno no parque municipal, sem o reconhecer imediatamente. Reatam a amizade e Nélson alberga-o em sua casa, que tinha pouco espaço, onde passa a dormir com 26 chinchilas.
Desta vez, quem puxa o tema da literatura é Bruno e revela que nunca conseguiu parar de escrever. O único tema que lhe interessava era ele próprio. Nada externo a si o movia na escrita. E era a escrita que o mantinha vivo, quer no sentido, quer biologicamente. Bruno passou a escrever em folhas de árvores: mantinha o que queria recordar em folhas perenes; e alimentava-se de folhas caducas onde também escrevia, mas apenas o que queria comer - 'rolo de carne', 'tofu de doninha', 'gin de maracujá'.
Nélson pediu-lhe autorização para catalogar as folhas e tentar fazer delas um livro. Ficou espantado quando verificou que o que tinha em mãos tinha substrato e não era da resina; tinha substrato literário. Era o livro mais sincero e visceral de Bruno; e era a sua autobiografia.
A ideia de publicar não fazia parte do horizonte de Bruno; queria apenas escrever. E queria deixar de o fazer em folhas arrancadas e em folhas caídas. O seu objectivo era simples: escolher uma árvore e escrever a sua história nas suas folhas. E quem quisesse ler, teria que trepar uma árvore. Não mais haveria edições em papel, nem apresentações, nem entrevistas, nem nada. Apenas a sua história: espalhada nas folhas da árvore: perecível ao sabor do tempo.
Mas Nélson queria ajudar financeiramente Bruno. O facto de Bruno lhe andar a gratinar chinchilas também pesou. A única forma de o ajudar, uma vez que Nélson era parco em bens, era publicar a autobiografia de Bruno.
Assim aconteceu. E foi efectivamente o livro mais sincero e vísceral de Bruno.
Uma autobiografia que começa com as palavras de engate do pai para a mãe do autor, seguida da descrição pormenorizada da sua concepção. Ficamos a conhecer o gérmen da produção literária de Bruno, mas a novidade, o choque, adveio das relações entre os seus familiares.
Afinal quem Bruno conhecia como pai era somente seu tio-avô, enquanto o seu tio era o seu pai biológico; já a sua mãe era efectivamente sua mãe, mas acumulava com o grau de avó paterna; o seu primo mais velho era, na realidade, o seu filho mais novo; manteve uma relação extra-conjugal, ele que foi sempre solteiro, com a cadeira de baloiço que vivia em união de facto com o seu primo Samuel; a cadeira de rodinhas que se pensava ser fruto desse relacionamento mais não era do que filha de Bruno, revelação inédita.
A família padecia de Parentalatatite (badalhoquissis nojentis em latim), uma patologia que permite reconhecer familiares pelo cheiro, mas torna graus indescerníveis.
O livro conheceu enorme sucesso, tendo chegado à 72ª edição (sendo que as primeiras 60 foram de 3 exemplares cada uma) só em território nacional.
No decorrer deste sucesso Bruno esteve incontactável e invislumbrável. Consta-se que, com o dinheiro da autobiografia, Bruno terá comprado uma oficina de carpintaria onde passou a viver e juntamente com cerca de duas centenas de cadeiras abandonadas (com pernas a menos; mancas; cruzamentos de venguê com carvalho mal conseguido; etc.)
Bruno só voltou a ser visto uma única vez.
Seria última: para nós e para ele.

(continua para terminar, se o escritor não se esquecer de escrever)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Anatomia da Politeia

A política não se aprende em Ciência Política.
Tudo o que precisamos de aprender acerca do nosso sistema democrático aprendemos em Ciências da Natureza, no 5º ano. Mais especificamente, quando tratamos do tema: aparelho digestivo.
Senão veja-se:

      1. Trato gastrointestinal superior
  • A política começa na boca - eleições implicam eloquência, retórica, promessas: os víveres políticos.
  • Umas vez findadas as eleições, os vencedores, juntamente com os seus víveres políticos, afastam-se da realidade exterior para se imiscuirem numa realidade interior (faringe), onde antes transformam os víveres num bolo alimentar homogéneo, numa massa que não permite distinguir promessas originais, que é necessário para entrar no corredor do poder (esófago).
  • Chegados ao gabinete do poder (estômago), são instados a tomar uma decisão por quem os patrocinou (secreção gástrica), de modo a saberem que rumo vão tomar. 
      2. Trato gastrointestinal inferior
  • No gabinete do poder (estômago), o bolo alimentar já não é o que era antes de entrar na boca e é apenas aquilo que a secreção gástrica deixa ser.
  • Dois caminhos se colocam: tomar a decisão correcta, mas ter que deambular pelas infindáveis curvas do intestino delgado; ir pelo caminho mais fácil de salvação individual e percorrer o trilho rápido da luz ao fundo do túnel (intestino grosso).

MORAL DA HISTÓRIA: Não existe, fala-se de política
AMORAL DA HISTÓRIA: Isto vai dar merda 

Já não temos que esperar
neste governo insolente
mais que perecer a gente
sem o bem nunca alcançar;
só para Deus apelar
pode o povo português
e pedir-lhe desta vez
que nos dê governo novo,
para que com ele o povo
siga no seu natural.
Este é o bom governo de Portugal.
Gregório de Matos, 1713

Transcendência e Repartições de Finanças

Há quem comungue em igrejas, o Javali comunga em repartições das Finanças.
Trata-se de uma prática recente. Desde o último 13 de Maio, para ser mais específico, também conhecido como o dia em que o Javali viu a luz.
Na verdade, foi coincidência pois a prática recente de 'dijei-ing' fazia com que o Javali visse poucas vezes a luz do dia.
No dia em questão, o Javali foi convocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para se apresentar na repartição de finanças da sua área de residência, de modo a explicar divergências no seu IRS.
E o que parecia um dia normal das finanças: espera, espera, espera, "Ai, esse problema não se resolve aqui, meu senhor! Tem que subir até ao 3º andar, virar duas vezes à direita, quatro à esquerda, caminhar até ao fundo do corredor, descer as escadas até este andar e dirigir-se ao guichê aqui ao lado. Como não percebeu? Pffff!" Espera, espera, espera. "Não, não! Como é óbvio não é aqui! Tem que fazer o percurso inverso e voltar a este guichê, iniciando a conversa com as palavras certas, de modo a eu entender." Mais espera, um copo de água com açúcar e sair de lá volvido um mês: depressa se tornou num dia especial.
Quando cruzou a porta de saída, o Javali reparou que os funcionários que o atenderam estavam no momento de pausa, a chupar SG Ventil's. E foi uma revelação: eles movimentavam-se como pessoas normais e não em câmara lenta, falavam e não grunhiam e, cúmulo dos espantos, sorriam!
O Javali inexplicavelmente estava inundado por uma felicidade pura.
Isto significava a presença de algo transcendente dentro de portas das Finanças. Algo que, de certa forma, sugava a vida dos funcionários e os transformava em mentecaptos com sintomas de idiotia. Eles só podiam estar ao serviço de algo maior.
Desde então, o Javali foge ao fisco, de modo a ser frequentemente convocado para o seu templo de espiritualidade.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Novas oportunidades

O Javali adere ao empreendedorismo, muito por causa do empreendedorismo utilizar sertãs antigas, em que fica tudo grudado ao fundo, e promove novos empregos que acabou de inventar:
  • Osculador de casais em transportes públicos - toda a gente conhece ou vivenciou aquele fenómeno em que jovens casais, alienados da existência de vida humana nos seus arredores, promovem limpeza oral na cavidade bucal dos seus parceiros. Isto acontece usualmente em transportes públicos de todos os géneros. O que se propõe é apenas alguém que lhes dê um banho de realidade, daí a criação do Osculador de casais em transportes públicos, figura que tem como competência intrometer-se entre os casais, sem nunca falar, lambendo à vez as bochechas das parelhas.
  • Bobo da Segurança Social - recuperar a figura do bobo medieval e utilizá-lo nos edifícios da Segurança Social, quer para animar as filas para atendimento, quer para reanimar os funcionários dos guichês.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Prémio de Fundo

Elogio público proferido em 4 de Julho de 2013, na suite tropical do motel Hours and Minutes, por Billy Foxxx, presidente da cadeia de filmes em DVD In & Out, a propósito da aposentação de Dick Hammer (John Mendoza, na vida real), com quem colaborou em mais de 250 filmes (só nos últimos dois meses):

« Boa noite a todos.
» É com um sentimento enorme, duplamente inverso, que começo esta intervenção.
» Aliás, enorme era a sua alcunha no plateau.
» Duplamente foi como entrou Hammer em todos os cenários dos filmes em que participou: como actor e como seu duplo.
» Convém, neste dia, exaltar as portas que Dick abriu; as fronteiras que derrubou; os preconceitos que extinguiu.
» Poderia ter sido somente mais um actor, no limiar da sombra da fama. E assim foi durante duas semanas, com uma participação insípida em apenas 78 filmes. Tudo muda com o papel principal em Espeta-Cu(no)Lar, o filme que alarga ainda mais o mercado do nosso cinema.
» No papel de Jack, o ajudante de cozinha que coloca a comida nos tabuleiros do lar Belly Tits, começa a dar vida a pessoas que pensavam que aquela iria ser a sua última morada, animando as horas de refeição com equilíbrio de tabuleiros sem mãos sobra a sua p...
» Desculpe? Ah, é para terminar? Já termino! Já termino!
» Basicamente, aquilo era uma espécie de Cocoon mas em que os velhotes ganhavam vida pela proeminência de Jack.
» O que isto significa é que, depois deste filme, tivémos um boom de visitas no nosso site por uma faixa etária que até então nem sequer sabia utilizar um PC.
» Antes de terminar, ergamos a taça de champanhe como Jack equilibrava tabuleiros, e brindemos a Dick, que se aguentou de pé até ao fim.
» Para terminar, convido-vos a assistir a um espectáculo de pirocotecnia pela companhia "Espadas d'Aço".
» Obrigado.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O escritor que se esqueceu de escrever VI

(continuação da continuação da continuação da continuação da continuação - parte 5 aqui)

  • Fui Ver e Não Ouvi Nada (2029), romance
Primeiro livro na editora Antártida de Limão, mostra um Bruno com pouca força literária, gasto pelos eventos precedentes.
Neste romance, encontramos uma espécie de paródia, em que três pessoas padecem de falta de inatismos:
Dan só consegue andar em linha recta e o máximo que consegue curvar é em ângulo de três graus (mesmo de carro). Isto implica, desde muito cedo, uma enorme estratégia geográfica por parte de Dan, levando-o a conhecer países inteiros em saídas para ir comprar pão. Mesmo a sua casa é rectilínia, "Um T0 com 4 quartos", como costuma definir Dan, pois mais parece um corredor onde fazem lavagens automáticas de carros. Situada no meio da estrada, é contornada pelos veículos que circulam. Sai de frente e volta de marcha-atrás. Morre numa viagem de comboio que, à partida seria em linha recta, mas sofre um desvio por queda de uma ponte e na curva imprevista, Dan continua a caminhar no ar sobre o desfiladeiro de Aralsk.
Joseph não caminha: rasteja. Tudo o que implique visão acima da altura dos seus tornozelos causa-lhe náusea e tontura. Não se sabe se tem medo de alturas, tem-se a certeza que tem medo de alturinhas. Raramente sai de casa, sobretudo depois de se ter tornado milionário. A fortuna adveio da invenção de micro-borrifadores internos de sapatos, que eliminam o odor ao milésimo de segundo, sempre que o cheiro atinge 3.2 na escala de Grenouille. Morre afogado numa poça, debaixo de uma pessoa que tropeçou e caiu sobre Joseph, na fila de espera para comprar bilhete para a peça de teatro José, o pintor de rodapés.
Louis não caminha nem rasteja: levita. Ou pensa que levita. Na realidade, anda com andas. Não numas andas normais, pois não gosta de sentir solidez sob os pés, mas numas em que poisa os pés numa espécie de bolsas de gel, como se vogasse sobre o mar. Dorme sozinho no andar de cima do beliche. Não usa sanita. Aliás, a opção por um buraco a la caçador tornou-o perito em pontaria. Depressa ganha o cognome de Americano, numa clara alusão ao basquetebol, tal a eficácia em colocar objectos em buracos, a distâncias consideráveis. A altura que possuía com as andas coadjuvava a alcunha. Segue a tropa, onde acaba por singrar num batalhão de operações secretas, sendo as suas especialidades: explosivos, atalaia e 'snaipismo'; as duas últimas fazia em simultâneo, uma vez que apoiado numa das andas, parecia que estava agarrado a um poste, de vigia; com a adaptação da espingarda na outra anda, bastava levantar o braço para poder disparar. Foi nesta fase que também ganhou a alcunha de Sassi, por ser o único sniper que disparava ao pé coxinho (ou à anda coxinha, para ser mais preciso).
O livro termina abruptamente pois, quando se pensava que estas três personagens se poderiam encontrar, morrem Dan e Joseph, enquanto Louis era perseguido por Brad, o polícia que apenas se locomovia dentro de um saco de batatas.
A crítica foi severa com Fui Ver e Não Ouvi Nada, uma vez que apodou o romance de ser uma manta de retalhos desconexa (creio que 'idiota' foi a palavra empregue), que parecia inacabado. E de romance parecia ter muito pouco. Bruno respondeu por caniche-correio a João Bombarda, o crítico do Ipsilom, com as seguintes frases: "Querias romance? Em vez de te dar a ti, optei por dá-lo à tua mulher! Não um, mas seis romances. À tua grand danois dei só dois. Remetente: Bruno. Morada: Casa da tua mãe."
Era nítida a desorientação e, sobretudo, a perda de aptidões sociais do escritor. Pelos vistos, as aptidões românticas permaneceram intactas. Já João Bombarda, divorciou-se no mês seguinte e mandou abater a grand danois, de seu nome Baby, um dia depois.

(continua a continuar a continuação da continuação da continuação da continuação aqui)

terça-feira, 16 de julho de 2013

Insane in the brain

A imagem que se encontra abaixo ilustra uma notícia online do site da TVI24, com o título:
 
Americano com amnésia acorda a falar sueco
 
Até aqui tudo bem, uma notícia que poderíamos apodar de normal no meio de comunicação citado.
O que impressiona é a imagem que o site decide postar para ilustrar a notícia.
 
 
 
Aliás, mais do que a imagem, o que impressiona é a legenda da figura. "EM BAIXO: Cérebro"
 
Significará isto que a TVI24 ganhou, finalmente, consciência?
Decidiu informar os seus leitores e espectadores da existência de algo que, até ver, parece não possuirem?



quinta-feira, 4 de julho de 2013

O escritor que se esqueceu de escrever V

(continuação da continuação da continuação da continuação - parte 4 aqui)
  • Da Pasteurização do Corpo (2021), romance
No seguimento da investigação que desenvolveu para a peça de teatro O Verdugo Não Quer Ser Porteiro, Bruno lança este romance logo após o noticiamento que abalou o país, quando os meios de comunicação social revelaram que os últimos três directores do FPAS haviam desviado avultados fundos para fins pessoais. Ainda se pensou que a notícia pudesse ter sido veiculada anonimamente por Bruno, mas logo depois entra nas livrarias a sua visão pessoal acerca deste caso, sob a forma de romance.
Numa espécie de parábola, o romance trata de três directores de uma associação de surdos que, pouco depois de assumirem o cargo, ficam também eles privados de sons exteriores.
A súbita surdez de pessoas que até então estavam aptas nos cinco sentidos provocou grande comoção social. Grupos formaram-se na crença de que os directores ensurdeceram por osmose, numa espécie de missionação sacrificial. Outros aproveitaram-se para incutir a ideia de que as nomeações políticas não promoviam economicamente antigos dirigentes, bem pelo contrário, indo ao encontro da ideia dos grupos que enfatizavam o sacrifício.
A queda surge no último terço do livro quando Lourenço, bastardo do segundo director, revela aos meios de comunicação social que a surdez advém da pilotagem de biplanos. Os directores haviam transferido fundos da associação para contas pessoais e utilizado o dinheiro para adquirir biplanos e pagar a avença mensal no aeródromo de Maceda. A surdez surgia como consequência do barulho dos motores dos aviões.
O livro termina com o apedrejamento público dos três directores, que nem ouviram as pedras a partir-lhes os crânios.
Bruno tentou fazer passar uma dupla mensagem: se as pessoas criam os seus santos têm o direito, enquanto criadores, de os poderem matar; a surdez como decadência física adveio de uma cedência moral, daí o título do livro: a ideia de que o corpo se preserva pela consciência.  
  • Lúcia, a Vendedora de Santuários (2025), romance
Depois de quatro anos de silêncio e após ter sido presenteado com inúmeros ataques e pressões, inclusive um ataque de um enxame de vespas que lhe valeram duas semanas de internamento, Bruno regressa com um romance nada apaziguador.
De acordo com a sua autobiografia, lançada em 2032, esta história surgiu-lhe quando estava internado no Hospital Carmelita de Rilhafoles, a recuperar do ataque das vespas histéricas. Bruno terá descoberto no interior da velha cama de ferro um documento de compra e venda do santuário de Fátima ao Estado Português, datado de 1938. O romance versa sobre esta temática.
O grupo ultra-secreto, com o nome de JEOVAX, é especializado em mediação imobiliária de santuários. Os seus membros são recrutados dentre os párocos que conseguem angariar maiores esmolas. Até aqui tudo bem. Só que os santuários não abundam. É necessário criá-los.
Assim se inicia uma viagem aos meandros da gestação de espaços sagrados.
Lúcia, personagem principal do livro, actriz de profissão, é contratada para fazer de Maria em territórios inóspitos. Na sua primeira aparição, Bruno opera um comparativo irónico, ao colocar a aparição de Maria a par das aparições das figuras públicas em festas e discotecas, mostrando que as massas afluem ao encontro de figuras conhecidas, sob a luz da fama.
O modus operandi da JEOVAX é bastante simples:
  1. Escolhem um local semi-deserto com boa profusão de luz e som
  2. Contratam uma actriz (neste caso, Lúcia)
  3. A actriz engole 666 pirilampos
  4. Por meio de engodo (chupas ou rebuçados), fazem 2 ou 3 crianças aparecerem no local inóspito
  5. A actriz surge no topo de uma árvore, reluzente, com uma mensagem secretista
  6. Deixam o buzz marketing fazer efeito, coadjuvados pelo pároco local
  7. Romaria massiva ao local, com nova aparição da actriz, agora ainda mais reluzente, encandeando os fiéis e provocando uma cegueira colectiva, que faz os fiéis acreditar que viram a coisas que lhes disseram
  8. As terras, até então propriedade privada, passam para as mãos da JEOVAX, por uso capião da fé
  9. Investimento no local com novas infra-estruturas para valorização do terreno
  10. Venda ao Estado local do imóvel, ficando sempre na posse da patente do franchising
Entretanto, Lúcia conhece Henrique, jornalista de investigação, por quem se apaixona. Henrique começa a desconfiar de Lúcia, uma vez que deixa de conseguir dormir à noite, tal é a luz que ela emana. Ante o silêncio de Lúcia, Henrique enceta uma investigação que o leva ao âmago da JEOVAX.
Henrique interroga Lúcia e pede-lhe para ela tornar pública a informação que possui. No dia em que assente, Lúcia desaparece.
Henrique entra numa espiral de loucura. Estava duplamente perdido: sem amor, sem profissão.
Em jeito de epilogo, Bruno oferece-nos um final esotérico-sarcástico: Lúcia reaparece intermitentemente. Ou seja, torna-se aparição. Porém, só consegue aparecer em cabines de peep shows, naquilo que se torna num novo segmento de negócio das sex shops.
  • Dois Dedos no Tinto (2027), aforismos 
Depois de Lúcia, a Vendedora de Santuários, Bruno refugia-se numa herdade perto de Vendas Novas. Na altura, constava que se havia tornado produtor de vinho, face à desilusão que lhe havia provocado a literatura. A literatura, não. Mais as não consequências da sua literatura. Segundo apurámos, a reclusão de Bruno foi um acto de inacção: reflexo da inacção social face ao que havia denunciado. A sociedade havia abraçado a polémica pela polémica e continuava ávida de novas polémicas, não de mudanças.
Deste modo, tornou-se consumidor de vinho. Nunca produtor. Aliás, o desejo era o de não mais produzir.
Dois Dedos no Tinto foi o inteligente título que Nélson Baltasar (editor e amigo de Bruno) forjou para o último livro de Bruno na sua editora. O editor contou-nos que quando visitava o autor e o tema da conversa enveredava para a literatura, Bruno vociferava impropérios e dizia que se escrevesse, as linhas não mais sairiam do seu cérebro, apenas do fundo das garrafas de 75 cl. Molhava os dedos no copo e escrevia em guardanapos de papel frases soltas. Olhava para a garrafa e depois para Nélson, proferindo frases do género: "Esta não é minha. Põe aí no topo do guardanapo: escrita por Dão de 2007."
Da resma de guardanapos brotou este livro de aforismos, que contou com uma edição comemorativa e facsimilada em 2057, patrocinada pela Renova e que teve ainda uma edição limitada de 15 exemplares em embalagens clássicas, vendidos anonimamente em ilhas de hipermercados.
(continua a continuar a continuação da continuação aqui)

terça-feira, 2 de julho de 2013

O Inventor de Fobias Literárias

Entretanto, no gabinete de fobias, departamento literário, está a trabalhar Joaquin Villaverde. Objectivo diário: dez novas fobias literárias.
  • Brownofobia - Leitores que acusam Dan Brown de plagiar José Rodrigues dos Santos. Reúnem-se anualmente a 3 de Fevereiro numa pensão de Vila Nova de Milfontes. Acredita-se que neste local terá sido escondido o gancho que prendia o cabelo de Jesus Cristo, retirado antes da coroação espinhosa. Em 2013, o tema foi: "As gajas qu'o Tomás Noronha come são muito mai'boas qu'as do Langdon".
  • Cleenexofobia - Leitores que recusam a lamechice. Ocorre frequentemente entre os padecentes a auto-flagelação e a auto-mutilação (usualmente após a leitura de autores como Torey Haden) sempre que sentem que as histórias atingem os canais lacrimais. Optam por sobrepor o choro pela dor física ao soluçar pela dor psicológica. 
  • Gramaticofobia - Leitores que abominam o uso devido da gramática portuguesa. Não confundir com devotos de José Rodrigues dos Santos.
  • Sagofobia - Leitores com aversão a sagas. Também conhecidos como grupo de luto, sobretudo por a sua maioria serem filhos da seita que se suicidou colectivamente após a publicação do último caso de Poirot, ou dos pais que assistiram à morte dos seus filhos por inspiração potteriana: voos picados em vassouras desde o 7º andar; mortes em apeadeiros como Aguda ou Paramos, à espera da locomotiva para Hogwarts.
  • Saramagofobia - Leitores que tentam converter o paganismo dos textos de José Saramago, adulterando a virgulação e fazendo circular no mercado negro estes novos textos, com o apodo de litúrgicos.
  • Strechtofobia - Leitores que arremessam livros do Eduardo Sá em direcção ao Pedro Strecht.
  • Triofobia - Leitores que só lêem a primeira parte de trilogias, sob receio que o desfecho não corresponda ao início. Em 90% dos padecentes encontramos check-ins voluntários na ala psiquiátrica do Magalhães Lemos designada de Trio Odemira, com perguntas frequentes como: "Será que o Frodo consegue destruir o anel?" ou "Será que a Rose se vai emancipar?" (Relativo à Trilogia das Nuvens de Nora Roberts).
  • Valterofobia Parcial - Leitores que apenas suportam os livros de Valter Hugo Mãe. Tudo o que implique intervenções fora dos livros, os leitores fecham-se em divisões insonorizadas. Curiosamente, desde que saiu o primeiro número da Granta portuguesa, os padecentes passaram também a vendar os olhos.
17h00: Hora de saída.
Joaquin Villaverde termina o dia nas oito fobias, pois dois dígitos não dão sorte e chegar à nona era aproximar-se demasiado do número azarento. Sai da sala sem nunca tirar os olhos das lombadas dos livros de Céline, sai à rua de lado mas volta a recolher ao gabinete ao aperceber-se que os sinos dobram, mas não se sabia por quem.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Inventor de Fetiches Literários

Entretanto, no gabinete de invenção de fetiches, departamento literário, está a trabalhar Xurxo Villaverde. Objectivo diário: dez novos fetiches literários.
  • Badanofilia - Leitores que lambem as badanas dos livros e abominam todos os livros que não contenham as supracitadas. Reúnem-se duas vezes por ano: a 1 de Julho, para swing de badanas, no Motel Tropicana; a 3 de Outubro, para lançamento de livros de bolso ao Oceano Atlântico, no cabo da Roca.
  • Bestselofilia - Leitores que só lêem livros com vendas acima dos cinquenta mil exemplares. Curiosamente, só acreditam em Q.I.'s abaixo do índice 80.
  • Heroinonimismo - Leitores que procuram heróis que morrem no fim dos livros. Reúnem-se anualmente, a 6 de Junho, para queima pública de livros de Laurinda Alves.
  • Lombadofilia - Leitores que praticam açambarcamento no sentido de organizar bibliotecas pessoais consoante tamanho, cor, espessura e tipo de letra das lombadas.
  • Memorialismo transcendentista - Leitores que apenas lêem histórias baseadas em relatos reais, desde que contenham doses massivas de treta, como idas ao céu ou mutilação genital. 
  • Montevideofilia - Leitores que apenas degustam livros de escritores nascidos em Montevideo e, por conseguinte, cospem em tudo o que seja proveniente do lado de lá da foz do La Plata.
  • Paginofilia Trintaista - Leitores que se excitam nas páginas 30 dos livros, mesmo nos tratados fotográficos de Micologia.
  • Palofilia - Leitores que acreditam que não existem livros para além de José Rodrigues dos Santos ou Nicholas Sparks.
  • Rescendofilia - Leitores que escolhem livros pelo cheiro das páginas.
  • Sinopsismo - Leitores que compram livros apenas para ler as sinopses e escrever longamente sobre o que leram (vulgo, inventar).
17h00: Hora de saída.
Xurxo Villaverde faz um barco de papel com a página 8 do Coração das Trevas, lambe as duas badanas do Complexo de Portnoy e voga para casa de mãos nos bolsos, com o pensamento em Olga do Mapa e Território.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Diálogo (ir)real

O que acontece num comboio entre Valadares e Coimbrões às 6 e 50 da manhã ou como 'nirvanizar' a vida de um apreciador de comédia

Intervenientes: três irmãs (duas presentes e outra transcendente) e uma, como dizer, senhora (para facilitar)

Entra a irmã 1 em Valadares que se senta ao lado da senhora, a qual estabelece imediatamente diálogo.
- Olá!
- Hum, o-olá.
- Já não a via há muito tempo. Quem também não vejo há muito tempo é a sua irmã.
- A minha irmã morreu.
- Oh que desgraça!
- Sim, faz cinco anos.
- Pois, realmente já não a via há muito. De que é que foi?
- Foi canceroso.
- Oh pá, que chatice! E canceroso de quê?
- Dos intestinos.
-Pois, a vida é assim. Ai, a vida! A vida a vida a vida a vida!
- ...
- Sabe, nós éramos muito amigas. Como é que ela se chamava?
- Rosa.
- Exacto, Rosa! Rosa, Rosinha, Rosita. Rosa, é isso. Rosa.
Na paragem da Madalena entra a Irmã 2, mas o diálogo continua entra a senhora e a Irmã 1.
- Agora que penso, acho que já sabia que ela tinha falecido. É que eu às vezes leio o jornal todos os dias e acho que li lá isso.
- Ó irmã 2, a Rosa saiu no jornal?
- Não.
- Pois, se calhar não. Deve ter sido uma parecida.
- ...
- Mas era muito engraçada a... a.. a sua irmã. Tinha uma maneira engraçada de falar. E ela tinha uma criança  pequenita, não era?
- Já tem 23 anos.
- Pois, pois. Era pequeno na altura.
- É uma menina.
- Pois era. Danada para a brincadeira a...
- Rosa.
Paragem de Coimbrões. Saem as duas irmãs. Fica a senhora. Despedem-se.
- Então, bom trabalho. Dê cumprimentos à sua irmã.

Nota final: O Javali declara que, sob compromisso de honra, fora a frase final, todo o restante diálogo ocorreu perante os olhinhos que a terra há-de comer. Genial!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Pragmatismo partidário

Notícia de última hora:
Ganhou o 'sim', com uma maioria de 78%, a favor da diferenciação partidária entre destros e canhotos.

O referendo torna este 28 de Junho de 2033 num dia histórico: o dia que pode ficar conhecido pela abolição partidária.
Culmina assim o que começou em 2029, logo após a alienação e consequente desaparição do Partido Comunista, pelo movimento civil "Não (h)áà direita e esquerda, apenas destros e canhotos".
Para nos ajudar a compreender melhor o significado deste desenlace, temos connosco em estúdio o nosso comentador político residente:
- Podemos dizer que tudo começou com um imbróglio capitalista sobre os comunistas, não é assim, Nuno?
- De facto!
- Queres-nos explicar melhor como foi isso?
- Bem, tudo começa no Iémen, quando Aashir ibn Mohammed se torna magnata na sucessão ao pai, Mohammed ibn Mohammed, ao assumir a liderança da empresa produtora de qat Alá é Grande Mas o Qat Não lhe Fica Atrás (نذ ال له فمن عظيم لكنا ل القات ليس هو م). Eram bem conhecidos os hobbies deste excêntrico: coleccionar comunistas e brandir varas de porcos em aldeias com escassez de víveres. Recordo uma viagem a Pequim, em que tentou colocar na bagagem de porão membros do Comité Central do Partido Comunista Chinês. Foi preciso a intervenção do pai para o safar de uma longa estadia nas cadeias chinesas.
- Sim, isso é do conhecimento público. Queres contar como aconteceu a desmantelação do Partido Comunista Português?
- Bom, ele faz uma primeira abordagem logo no ano em que assume a direcção da empresa. Isto foi em 2025. Apareceu em Lisboa a dizer que queria comprar o PC, oferta que foi rechaçada de imediato. Viu que tinha que fazer uma abordagem diferente. Regressou a casa e três anos depois teve a grande ideia. Lembrou-se de comprar a herdade da Amora onde decorre a Festa do Avante, o que aconteceu de imediato, deixando o partido tão desorientado como nos anos em que Estaline começou a falar mal de Trotski. Aashir teve então um golpe de mestre. Disse que a festa decorreria normalmente, mas com três nuances: da Amora passaria para Sana; o transporte e as entradas seriam grátis; haveria fornecimento de qat sem restrições (e de forma grátis, também). Depois de alguma desconfiança inicial, o partido lá assentiu, até porque antes de os membros serem do partido comunista, são portugueses, e todos sabemos o que os portugueses pensam acerca da gratuitidade do que quer que seja. O facto de haver narcóticos sem restrições, também ajudou.
- Foi aí que se deu o rapto.
- Eu não falaria em rapto. Foi mais um 'takeover' alternativo. O PC voou para Sana de livre vontade. E como sabemos, como não acreditam na CMVM, qualquer 'takeover' sobre o Partido seria sempre diferente. Podemos dizer que foi uma aquisição forçada, não declarada, com efeito, mas executada dentro dos trâmites legais, de acordo com as tábuas do deserto do Iémen.
- E foi aí...
- Aliás, desculpa interromper, mas houve uma operação que podemos classificar como legal aos olhos do Ocidente. Estou a falar da alienação dos Verdes. Como sabemos, os Verdes voaram com o PC para participar na Festa do Avante. Quando Aashir se quedou com o PC, não sabia o que fazer com os Verdes. Estava já a desesperar e para isso muito contribuiu os gritos da líder do partido. Foi aí que apareceu a Cornfaking & Sons, empresa de comida sediada no Texas. Depressa se interessou pelos Verdes e a operação decorreu num ápice. É claro que isso significou o fim dos Verdes. Veio-se a saber mais tarde que Jim McGrady, o CEO da Cornfaking, utilizou os Verdes para sulfatar latifúndios de milho transgénico, sob o argumento de utilização de produtos ecológicos.
- O fim dos Verdes e do Partido Comunista, correcto?
- Não creio. Acredito que o Partido Comunista, de certa forma, regressa às suas raízes.
- Como assim?
- Os seus membros não foram eliminados. Aashir utiliza-os como pastores das varas de porcos que possui. Será um pouco como um regresso à clandestinidade, debaixo de um sistema opressivo. Portanto, ideologicamente existem enquanto existirem fisicamente. Pelo que soube, mesmo na linguagem mantêm-se activos e utilizam frequentemente a expressão "porco fascista".
- Ficaremos atentos. Falemos agora do significado do referendo. Como fica a política portuguesa?
- Creio que o dia de hoje pode ficar conhecido pelo dia em que a política se descomplicou. Até aqui tivemos uma alternância bipolarizada mas nunca bipolar. Aliás, de bipolar só mesmo a diferença entre o dizer e o fazer. Com o PC fora da cena política, o que já havia acontecido ao Bloco após as jornadas convocadas pelos dissidentes "Futuro da Esquerda: Tu já não és de Esquerda como Antigamente" que terminou como se sabe, os eleitores passaram a ter dificuldade em distinguir quem nos governava. Já não falo ideologicamente, pois penso que nunca o conseguiram, mas refiro-me sobretudo ao facto de a mesma marca de fatos vestir os dois principais partidos.  
- Como ficará então a Assembleia?
- Acima de tudo, optimizada. Optimizada em espaço, pois os deputados passam a sentar-se na mesma orientação consoante a inclinação caligráfica, podendo subalugar o restante espaço para todo o tipo de eventos. E optimizada em termos energéticos, decorrente da condição anterior. O facto de estarem sentados na mesma orientação, permite encaixar os deputados naquilo a que comummente se designa de 'conchinha', fazendo com que a temperatura corporal aumente e diminua, por conseguinte, a utilização do aquecimento.
- Estamos a esquecer-nos de um partido, não é?
- Pois...
- Desculpa a interrupção, Nuno. Acaba de chegar à redacção uma notícia que pode manchar este dia. No largo Adelino Amaro da Costa confirmou-se o pior: toda a direcção do CDS, juntamente com os seus militantes, foram encontrados mortos no interior da sede do partido. Não se pode dizer que seja um desfecho surpreendente, pois a continuidade do partido muito dependia da vitória do 'não'. Perante um resultado adverso, sabia-se que a condição estatutária de ambidestria não seria tolerada num novo panorama político. À entrada para a reunião ainda se pensava que pudesse haver uma espécie de refundação, pelo menos pelas palavras de um dos seus dirigentes que dizia, e passo a citar, "O Freitas é que foi esperto!". É uma notícia que vamos continuar a acompanhar.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fronteira é a primeira pessoa do singular

Da categoria: Livros do caralho (para ser dito em voz alta e com sotaque de São Paulo)


Javier Cercas é daqueles escritores que não regressa, até porque nunca foi a lado nenhum. Vive na mesma rua de sempre, lado a lado com Flaubert, Bolaño e Vila-Matas, isto só nos números ímpares.
Neste Las leyes de la frontera (2012; Literatura Mondadori) mistura-se ficção com farsa. Logo, procura-se a realidade. Naquilo que aparenta serem as entrevistas de um escritor para recolher material para um novo livro, isso é o livro.
A acção decorre em 1978, num bairro periférico de Gerona, povoado por pessoas periféricas, quando a imberbe democracia sonhava ainda humidamente com Franco.
Gafitas, o narrador maioritário, menino de classe média e 'bullyngofóbico', vê no grupo de Zarco, formado por delinquentes profissionais, a oportunidade de se imiscuir. A oportunidade surge num felácio executado pela delinquente Tere, no WC do salão de jogos Vilaró. A vontade de se integrar veio de imediato: todo ele queria integrar-se ou, pelo menos, parte.
Naquilo que poderia ser um livro de aventuras, de romantismo delinquente, de tonteria adolescente, rapidamente se transforma no inverso. As personagens tornam-se reais por nos apresentarem a sua realidade, permitindo ao leitor apanhá-las nas suas mentiras. E faz-nos pensar na famosa frase de Dr. House: "Everybody lies". E quem mente são as personagens através das verdades de Javier Cercas. Neste caso, se calhar não mentem. Olham para a realidade com a miopia do entendimento individual.
E mais não digo, por duas razões: os livros bons não merecem resumos senão o texto integral; o Javier Cercas merece críticos que não vivam em savanas.
Um livro que devia ser acompanhado com aqueles óculos para ver o Avatar, mas com mais graduação, até porque estas personagens são mesmo tridimensionais.


~
Acerca de Las leyes de la frontera, veja-se:
http://www.eldiario.es/catalunya/diaricultura/cultura-literatura_6_117998214.html

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Granta

A propósito desse acontecimento que é o lançamento da revista Granta na língua de Camões, apraz fazer a primeira crítica, que incide sobre a última entrada da lavra de valter hugo mãe.


Agora, vou ler a revista.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Conspiração Anacrónica

Ideia para livro best-seller:
- Falar de Jesus: não do estabelecido mas, basicamente, inventar
- Misturar história e esoterismo
- Falar de Salazar
- Mencionar em epígrafe que todos os factos históricos mencionados no livro são verdadeiros. Nota mental: não há factos no livro, apenas suposições (eheheh!)

Sinopse:
  • Prefácio
Onde se adverte que o que se vai tratar é do desconhecido, porém, altamente verosímil.
Dizer que nos propomos tratar da vida de Jesus entre os 13 e os 33 anos, aludindo espirituosamente (até com algum humor) a que teríamos o fim da discórdia e um modelo a seguir, se soubessemos da vida de Jesus como adolescente. E como sabemos os problemas que a adolescência comporta, teríamos também o fim das aparições televisivas de Eduardo Sá.
Por outro lado, provamos desde logo a divindade de Jesus, para não criar muitos atritos, mencionando uma profecia que se cumpriu: o que acontece após a crucificação de Jesus? Volta para casa do pai. E o que é acontece no séc. XXI? É só trintões a viver em casa dos pais. Profecia cumprida.
  • Desenvolvimento :
No início do livro, Jesus tem 14 anos e aprende a profissão do pai adoptivo. Na carpintaria, nem Jesus nem José passam dias tranquilos. Desde que Jesus nasceu, José passou a ser alvo de chacota pelos seus colegas:
- Ó Zé, ontem nasceu-me o segundo filho. Não veio de nenhum anjo, veio só de cegonha desde Telaviv!
- Ó Zé, com este vento, achas que devo fechar as janelas todas? Com estas brisas, ainda se me engravida a mulher!
- Ó Zé, estou aqui a imaginar coisas bem boas com a minha namorada. Será que quando chegar junto dela já estará enjoada?
Já Jesus, como qualquer aprendiz de carpintaria, era tratado pela alcunha apropriada à sua condição:
- Ó Carpintelho, passa-me aí a grosa.
- Ó Carpintelho, mandas cada farpa!
- Ó Carpintelho, enquanto messias não devias prever a merda que estás a fazer com essa cadeira?
No Outono de 14 depois Dele (não será durante Ele?), houve uma praga de louva-a-Deus (ou seria milagre?) que comeu as nogueiras todas de Nazaré. A escassez de matéria-prima produziu uma escassez de emprego na carpintaria.
Custava muito a José ver os dias a passar pelo filho sem que ele movesse uma palha. Nem na escola ingressou:
- Ó paizinho, eu prometo que hei-de ir para a escola, mas tenho tempo para isso. A eternidade não são dois dias.
Na realidade, Jesus sabia o que gostaria de ser:
- Quero ser ilusionista! Vou chamar-me: Jesus do Mato.
E passava os dias sem mexer uma palha aos olhos do pai, porém a formar-se nesta que via ser a sua vocação. Quantas vezes José não chegou a casa e viu o bidé transformado numa terrina de porcelana, a ovelha num cachecol de seda ou o pão em gomas em forma de javali. Se irritava o pai, o contrário acontecia com a mãe, que o incentivava:
- Ó querido, que bom! Fico muito feliz que queiras ser... como é que é? Ilusionista? Isso mesmo: ilusionista. Olha lá, não te importas de transformar aqui o teu tio Gabriel em naperon, só durante duas horas, que o teu pai está a chegar?
Tudo corria mais ou menos num clima de paz armada até ao dia em que José pegou na caixa de ferramentas. Lembrou-se que tinha que reparar o telhado de um burro que, entretanto, se havia transformado num albergue para pombas, quando viu que as ferramentas mais não eram do que um buquê de dálias. Perdeu a cabeça. Não bastava já a sua masculinidade ser diariamente posta em causa pelos colegas de trabalho, quanto mais ter as ferramentas de 'homem' transmutadas num artigo feminino.
Bastava de ilusionismo. José lembrou-se do stock parado daquelas cadeiras com caruncho, dos tempos da praga de louva-a-Deus, e propôs que Jesus se tornasse vendedor ambulante daquele material danificado. Com uma condição:
- Tens que vender longe da Galileia, não vá alguém conhecer-nos.
Jesus abalou. Afastou-se da Galileia. Mas afastou-se não só espacial como também temporalmente. A ubiquidade permite aos seres divinos mandar espaço e tempo à bardamerda. E ao deus Chronos também, esse pagão herege.
Desse modo, encontramos Jesus no Estoril, em 1968, a bater à porta do Forte de Santo António:
- Quem é?
- Minha cara senhora, sou Jesus e desejaria falar-lhe de algo muito importante.
- Jesus?
- Sim, abra por favor.
-  Faz favor!
- Permite-me que lhe pergunte como se chama a amável senhora?
- Maria. Maria de Jesus.
- Oh, que amabilidade! Não precisa de se entregar logo dessa maneira.
- Diga?!
- Deixe estar. Vim para lhe falar de algo, que sei de fonte segura que lhe faz falta.
- A salvação?
- Mais ou menos. Mas pode ser! A salvação para dias cansativos. O repouso que salva. Que diz?
- Sim, salve-me.
- Pois bem. Aqui tem esta magnífica cadeira de nogueira. Proveniente da terra santa.
- Mas a salvação faz-se... pela cadeira?
- Exacto. Vai ver que, depois de um daqueles dias de trabalho de ufa-ufa, vai sentar-se e pensar: Ai, meu Deus! Era mesmo disto que estava a precisar.
- Hum, pode ser. Vou levar para o Toninho, que ele tem um trabalho muito cansativo.
Mais um negócio bem sucedido. Jesus ainda ouviu Maria de Jesus a gritar já dentro de casa:
- Toninho! Toninho! Onde andas? Ah, estás aqui! Outra vez? António de Oliveira Salazar, quantas vezes te disse que não adianta mostrares o crucifixo aos comunas! Pára lá com isso e anda ver a cadeirinha que te comprei. Pára! Primeiro vês a cadeira, depois dou-te maminha.
  • Conclusão:
Quando esteve no desemprego, Jesus utilizava como varinha de ilusionista um salazar da cozinha da mãe. Na altura, chamava-se herodes mas toda a gente dizia que tinha cara de Salazar.
Por que razão se incompatibilizam NOVO Testamento e Estado NOVO?
A rejeição de Salazar começou na interdição do manuseio do salazar?
Haveria ciúme por Maria de Jesus não ser efectivamente 'de Jesus', e ver Jesus a morte de Salazar como uma libertação do amor?

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Retalho de autobiografia

Porque o Javali não se coibe de partilhar momentos mais íntimos da sua vida.
Deixo-vos uma recordação do fim-de-semana passado, que foi vivido no pinhal de Leiria (o ideal seria em savana mas este país há-de ser sempre atrasado, que nem savanas possui).

Poesia vulgar e extremamente est

Há quem escreva decassílabo heróico. Esteban Adonis (1986-2044) escrevia decímetro vulgar.
A criação deste estilo único, que implicou uma vida inteira dedicada à lavra de versos confinados em dez precisos centímentros, estará relacionada com meras casualidades: espacial e ingénua.
Esteban começou a escrever poesia aos 15 anos em blocos de post-its 10x15. Foi nesta altura que sentiu que a escrita o inebriava e os poemas como que lhe saíam em transe. Quando terminava um poema, reparava que o fim não ocorria sobre o post-it mas as palavras finais ficavam sobre a superfície em que escrevia. Esteban apenas guardava os post-its. Mais tarde, encontrámos isso mesmo na exposição "Estebanismo: espacio corto y eterno", que esteve no Museo de Arte Contemporáneo em La Paz, entre Março e Junho de 2039. Aqui pudemos contemplar os primeiros fins de rascunho numa toalha rendilhada de sua avó, numa toalha de papel do restaurante "Las Cucarachas" e numa mesa Läck branca.
Quando começou a mostrar os seus primeiros post-its aos amigos, o alento que recebeu foi imediato. Ruiz, Abel e Sergio leram os versos e entreolharam-se estupefactos. Nenhum deles havia percebido a poesia do amigo. Como eram alunos medianos, pensaram que o problema era deles e que aquilo devia ser altamente intelectual. Ademais, sabendo do feitio especial de Esteban e de ser ele o único proprietário duma bola de futebol do bairro, fez com que o congratulassem de forma efusiva e incentivassem a sua publicação.
Da vasta obra de Esteban, relevamos aquela que poderá ser considerada a sua obra-prima: Alice. Trata-se de uma recriação vulgar do livro Eneida. Se na obra clássica de Virgílio, assistimos à fundação da cidade de Roma por Eneias após uma fuga, com Tróia a arder como wallpaper, Esteban
conta-nos como Alice foge de Fornos de Algodres, abusada sentimentalmente pelo marido, para singrar no exílio como Madame.
Alice casa com Emídio. Ela: educada para desempenhar o papel de fada do lar. Ele: pastor e hermeneuta vitivinícola. Sentiu-se abusada logo na primeira refeição em conjunto, quando Emídio se ofereceu para fazer a salada enquanto ela terminava o cabrito. Alice não estava preparada para aquela intrusão. O que começou com uma salada, depressa escalou para um esparguete à bolonhesa e para um bacalhau com broa. Alice sentiu que não aguentava mais quando lhe foi proposto que esperasse na sala a ver televisão, enquanto ele terminava o peru recheado. E a mesa já estava posta! Apesar do cheiro agradável que emanava da cozinha, Alice partiu para longe, sem malas, sem dinheiro, apenas com dois rissóis de caranguejo que Emídio havia deixado na mesa como entrada.
Vendas Novas foi o destino e aí decidiu que construiria de raiz uma casa, onde fosse ela a protagonista e onde as pessoas dependessem dela para comer. Sentindo-se uma pessoa nova, fundou o restaurante "As mamãs tratam de ti", sem grande sucesso. Quando estava para fechar portas, chegou uma avalanche de pessoas, maioritariamente do sexo masculino, a dizer que queriam consumir. Curiosamente, foi mais ou menos ao mesmo tempo que o néon do til no nome do restaurante começou a falhar.
Vejamos esta passagem, uma das mais importantes, em que o restaurante se vai transformando em prostíbulo e Alice em Madame Alice:

"Que quereis daqui meu bom h
Não vedes vós que clientes não
E que a comida escasseia como
E que nem gás tenho para cozi
E quem são esses que trazeis a
Vimos o Vosso sinal Madame c
Reluzia para o céu e para o asf
Mas o céu e o asfalto não ilumi
Acendeu, sim, a fogueira interi
E a chama arde aqui no meu to
Comida escasseia pensais vós?
Mas vejo aqui nacos do Paraís
E gás não precisais para assar
Pois cozinho com o fogo que tr
Nem ajuda para descacar a fru
A que vos referis, pensais de al
Esperai que vaca tenho no con
Não precisais que essa aí me p
E comigo é sempre fast-food q
E cheios estão, vazios se irão."

Esteban Adonis falece em 2 de Maio de 2044, num quarto de hospital da cidade que o viu nascer, vítima de insufiência de vida.
Jaz no cemitério da Revolución de La Paz, em cuja pedra tumular podemos encontrar o epitáfio:

"A vida é isto: a tua contemplaçã(o da morte)
 Podiam ter avisado que as tinha (descaídas.)" 

terça-feira, 28 de maio de 2013

O Inventor de Fobias

Entretanto, no gabinete de invenção de fobias, está a trabalhar José Villaverde. Objectivo diário: dez novas fobias.

  • Anabelofobia - Pessoas que ganham deslocação da retina sempre que falam com pessoas de nome 'Anabela'.
  • Canalofobia - Pessoas que rejeitam a mãe logo após a descida pelo canal vaginal. Posologia: voltar a colocar o recém-nascido dentro da mãe pela mesma via e optar pela cesariana.
  • Sinistrofobia - Pessoas que se suicidam após aperceberem-se que coçaram partes do lado esquerdo do corpo com a mão direita (NOTA MENTAL: para criar clima ameno,mencionar na reunião semanal de apresentação de ideias a notícia do jornal JN, de 2 de Março de 2012. Diz naquele jornal que os membros da tribo Ahorangi, que mutilam a mão esquerda quando o ciclo lunar completa 33 voltas, estão em vias de extinção após a queda num precipício de quase todos os membros do sexo masculino. Segundo fontes locais, a tribo estava em plena semana de festividades, em honra do deus Sassi, quando, na dança vespertina, em pé coxinho (esquerdo; a dança matutina decorre sobre o direito; o caminhar sobre um pé é obrigatório e punível com a morte o seu incumprimento), passaram sobre um campo de urtigas, tentando em pequenos saltos coçar intermitentemente o pé esquerdo com a mão disponível (direita). No desespero, não terão visto o precipício, acabando por falecer no fundo do abismo. As testemunhas oculares mencionam que a comichão devia ser de tal modo intensa que mesmo em queda livre os Ahorangi não pararam de se coçar até embater no solo. MORAL: a história não tem a ver com a fobia, mas a descrição da fobia tem piada em conjunto com a notícia. NOTA MENTAL Nº 2: terminar com ar sério e cincunspecto por causa do Joi, o estagiário que veio de Jaipur e parece ser índio ou indiano ou lá o que é. RESUMO: primeiro a piada, segundo a fobia, terceiro solidariedade étnica).
  • Valterofobia - Pessoas com aversão a pessoas de nome 'Valter'.
17h00: hora de saída.
José Villaverde levanta-se depois de ter entrado em delirium tremens após a quarta fobia, benze-se oito vezes e meia, agacha-se e rasteja até casa, com medo de ser apanhado pelo dióxido de carbono que flutua meio metro acima da linha do mar.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O Inventor de Fetiches

Entretanto, no gabinete de invenção de fetiches, está a trabalhar Juan Villaverde. Objectivo diário: dez novos fetiches.
  • Antonófilia - Pessoas que discordam com qualquer concordância, mesmo que concordem. Não confundir com hipsterafilia.
  • Banzaifilia (Única forma de afectar psicologicamente a mulher enquanto cônjuge) - Homem que destrói mobiliário e decoração em geral escolhidos pela mulher, gritando a palavra 'Banzai'.
  • Calçadofilia - Pessoas que não conseguem viver sem a calçada portuguesa. Não confundir com sem-abrigo. (a melhorar)
  • Duo-slipofilia - Pessoas que mudam de slips de duas em duas horas. Em alguns países, como a Eritreia ou a Micronésia, acontece o mesmo (as pessoas mudam de slips) mas sempre que se deparam com a palavra 'duodeno'.
  • Elderofilia - Pessoas que se excitam com leituras do Novo Testamento com sotaque do Utah.
  • Franquismo - Pessoas que se excitam com os valores das franquias dos seguros de vida.
  • Mupismo - Pessoas que peregrinam de mupi em mupi em busca de satisfação publicitária.
  • Plissadismo - Pessoas que excitam com tudo o que seja plissado, com ênfase para o material capilar.
  • Retardadismo Espirituoso - Pessoas que se riem por contágio de pessoas que efectivamente percebem as piadas. Não confundir com atrasadismo.
  • SGVentilofilia - Pessoas que trocam a família por uma ida ao quiosque, seja para comprar tabaco, seja para ler as gordas dos jornais desportivos. (especificar mais)
17h00: hora de saída.
Juan Villaverde levanta-se, faz amor com o alarme de incêndio e dirige-se para casa.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

STATU-CIVITAFILIA - parte 2

(continua e termina aqui)

3. DIVORCIADO:
Conheci na prisão esta nova vida de divorciado, não em estado puro mas, pelo que me disseram, num estado alternativo, não reconhecido pelo Código Civil.
Quando pensei que poderia voltar aos "Gloriosos Tempos do Masturbador Compulsivo", vi-me no meio dum relacionamento não consentido, com três pessoas ao mesmo tempo.
Alex, Romualdo e Facadas faziam parte da Supremacia Branca. Quando me abordaram no chuveiro, disseram que a partir daquele momento eu pertencia-lhes. Após o primeiro encontro, que me permitiu aprender a dormir de pé, voltaram a procurar-me regularmente.
- Em que estado do Código Civil é que se encaixa este relacionamento?
- Ó meu querido, podemos chamar-lhe Código Civil, se quiseres. Agora se não encaixar, nós fazemos por isso.
Foi assim que aceitei. Eles deviam ser activistas e estariam a tentar legalizar este novo estado. Agradava-me esta ideia de tubo de ensaio.
Durante nove anos de experiência, fui a puta deles.

4. CASADO (POR INTERESSE)
Quando terminou o encarceramento, não havia tempo a perder: queria casar, agora por interesse.
Naturalmente, tinha interesse em encontrar uma mulher que me permitisse ser viúvo.
Foi então que comecei a passar os dias à porta do IPO.
Não foi difícil encontrar noiva.
Escolher mulheres no IPO obedece a uma lógica inversa à escolha de fruta: quanto mais verde, melhor.
Ângela era perfeita: cancro do colo do útero em estágio III.
Como sabemos, os casamentos, mesmo que pareçam perfeitos, não são mares de rosas.
A Ângela escondeu de mim o facto de ser alérgica a várias coisas, como a quimioterapia, por exemplo, que a fazia vomitar constantemente. Também não me permitiu ter um cãozito, mas limpei pêlo do chão até mais não. Parecia que vivia lá em casa um caniche nazi, fetichista da máquina zero.
Numa noite, quando estava a dirigir-se para a casa de banho, tentei ajudá-la. Debruçou-se sobre a sanita para vomitar e eu segurei a testa para lhe alijar o esforço. A minha mão escorregou. Ainda tentei agarrá-la pelo cabelo, mas a sua ausência fez com que embatesse estrondosamente com a testa no sanitário.
Acabou por falecer, não do cancro, mas da conjugação daquilo que nos separava: alergia à quimioterapia e calvície.

5. VIÚVO
Se custou muito. É isso que me costumam perguntar: custou muito?
Um funeral não é propriamente barato, mas a perda de peso da Ângela permitiu que fosse enterrada num caixão de criança.
Nesse momento, apercebi-me pela primeira vez que os sentimentos podem ter sabores. E sabores concomitantemente díspares. O doce e o amargo acompanhavam a frase que latejava no meu pensamento: completei o ciclo.

Com o statu-civitafilia terminado, dei início ao período de recordações.
Fiquei estático. Entrevi que não havia usufruído devidamente de cada estado civil.
Vivi os estados civis sempre com olhos no futuro, sempre focado no próximo.
Com uma excepção: os tempos como divorciado.
Será que foi o único de que usufruí por ser precisamente o único que me permitiu a felicidade?
Na verdade, mantive correspondência com o Romualdo e visitas conjugais com o Facadas.
Será que devo voltar para eles?
Olha, vai ali a mãe da Rosana!

FIM

sábado, 18 de maio de 2013

O Coleccionador de Peças Únicas - 3

(continuação - parte 2 aqui)

Deste modo, vai desenvencilhando-se do seguinte:

1989.Janeiro:
  • Artigo: Orelha esquerda
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Fevereiro:

  • Artigo: Olho direito
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Março:

  • Artigo: Narina direita
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Abril:

  • Artigo: Pulmão direito
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Maio:

  • Artigo: Rim esquerdo
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Junho:

  • Artigo: Braço esquerdo
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Julho:

  • Artigo: Gónada esquerda
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
1989.Agosto:

  • Artigo: Perna direita
  • Vendedor: N/A
  • Preço: N/A
Em Setembro, James Enkhtuyaa pica-se num parafuso enferrujado, peça adquirida em 1982 e que havia pertencido ao papagaio de Benjamin Franklin.
Ao ser-lhe recusado tratamento único, James decide não ser tratado de todo.
O pé e a perna começam a gangrenar.

Após a amputação, James Enkhtuyaa suicida-se com a capsula de cianeto que Speer não teve coragem de tomar. 
James Enkhtuyaa não conseguia ultrapassar a ideia de ter dois cotos iguais.

FIM

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Coleccionador de Peças Únicas - 2

(continuação - parte 1 aqui)

Lista de aquisições mais relevantes:

1963:
  • Artigo: Ancinho com defeito (único no lote de 3000 produzidos).
  • Vendedor: Tio Oscar Batukhan
  • Preço: Vistoria no banho por Oscar Batukhan
1967:
  • Artigo: Tela de recepção do quadro El Aficionado (1912) de Pablo Picasso, enviado por telégrafo de Málaga para Nancy. 
  • Vendedor: Sotheby's NYC
  • Preço: 550 000 USD
1974:
  • Artigo: Hímen de Jane Butterfly (alias de Kristýna Bohumila)
  • Vendedor: dobrý ženy v nadbytek domácí
  • Preço: Valor sentimental imediato e 3500 CZK no Mastercard no mês seguinte
1987:
  • Artigo: Fitas das primeiras gravações do Revolver dos The Beatles, cantado em gujarati por George Harrison
  • Vendedor: Christie's
  • Preço: 700 000 GBP
Em 1988 James Enkhtuyaa sente o vazio. Como é único, não se apoquenta.
No ano seguinte sente o mesmo vazio. Já não é único, urge mudar o rumo.
Na introspecção, James sente que não quer adquirir mais. Ganha, porém, o sentimento de querer livrar-se de coisas.
Não quer possuir coisas únicas: quer ser, ele próprio, coisa única.

Nova fórmula:
um mês = um desembaraço = uma peça = depósito do lixo

(continua só mais uma vez aqui)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Coleccionador de Peças Únicas - 1

James Enkhtuyaa combatia o vazio com peças únicas.
O vazio enchia-se não de peças mas de sentimento.
A peça era o corolário.

Veja-se de forma intelectual:

Veja-se também de forma choninhas:


A fórmula que adoptou foi muito simples:
um ano = uma aquisição = uma peça = um espaço para expor

(continua aqui)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

STATU-CIVITAFILIA - parte 1

Sempre me senti diferente.
Acontece que nasci como quase toda a gente: solteiro.
À medida que fui crescendo, vi que tinha que ganhar gostos, não só nos posts do Facebook, mas para a vida real: escola, trabalho e hobbies.
Havia também que eleger fetiches.
Experimentei: podolatria, mas era alérgico a queijo e aos laticínios em geral; frotteurismo, rapidamente abandonado pela aquisição de pé-de-atleta na glande; tricofilia, extinto em meados de 2005 com a massificação da cultura brazilian wax.
Na verdade ainda pensei experimentar outras parafilias, mas nunca as senti como minhas.
Tinha que criar o meu fetiche.
Foi então que me lembrei do STATU-CIVITAFILIA.
Isso mesmo: fetiche por estados civis.
Iniciei-me pelo estado que os meus pais me ofereceram à nascença, que eles também não tinham muitas posses.

1. SOLTEIRO, com dois momentos distintos:
a) solteiro narcisista: também conhecida por: "Os Gloriosos Tempos do Masturbador Compulsivo";
b) solteiro generoso: oferenda de inúmeras bebidas a outro sujeito solteiro, por norma gajas, possibilitando interacção sexual a dois ou a um, dependendo de graus de consciência.

Esta fase durou entre os 13 e os 19: estava desejoso de passar à fase seguinte. E correu tudo segundo os meus planos: queria casar duas vezes: uma por amor, outra por interesse.

2. CASADO (POR AMOR):
A Rosana era a mulher da minha vida: bonita, interessante, gostava das mesmas bandas, dos mesmos livros e tinha fetiche por homens unitesticulares: tínhamos tudo em comum.
Mas eu tinha um objectivo: divorciar-me.
Foi espectacular, nada fácil, mas espectacular.
A Rosana não estava nada à espera, até porque o nosso amor era do tamanho do mundo.
Eu disse: "Quero o divórcio." Ela disse que eu devia estar brincar, que nós brincávamos imenso, e virou-me costas.
Não sabia o que havia de fazer para que ela me levasse a sério. Foi então que optei por um acto em grande.
Aos domingos costumávamos almoçar em casa dos pais dela e, naquele dia de Páscoa, decidi chegar mais cedo. Quando a Rosana entrou, deparou-se com uma cena fabulosa: eu a esganar o pai enquanto lhe violava a mãe.
Ela lá me levou a sério e deu-me o divórcio, cumpria eu o primeiro dos dez anos de prisão.
Agradeci e disse-lhe que, lá por já não sermos marido e mulher, podíamos manter uma relação de amizade. Afinal, éramos ambos adultos.
A situação que me causou maior estranheza foi a dos pais da Rosana: nunca mais me dirigiram a palavra. E eu que costumava levar a velha ao mercado todos os Sábados.

(continua)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O escritor que se esqueceu de escrever IV

(continuação da continuação da continuação - parte 3 aqui)

  • Capadócia Vista do Subsolo (2018), literatura de viagens
Com receio que descubram o que contém nas páginas do livro anterior, Bruno aceita uma encomenda da revista Actual, suplemento do jornal Expresso, para escrever crónicas sobre o Peru, a potência emergente da América Latina, após a descoberta do poder curativo do cuspe de lamas.
Acompanhado do fotógrafo Manuel Araújo, depressa se apercebe que está a ver o Peru mas com a cabeça na Turquia. Decide escreve sobre a Turquia, desde o Peru. Um livro que começa em Arequipa, depressa se transfere para Diyarbakir. No tema mais quente, encontramos a refutação da teoria de Nuno Rogeiro acerca da condição curda, desde logo porque o comentador televisivo opina sentado e, como sublinha Bruno, só se pode ter ideias precisas sobre curdos quando se está de pé.
O livro conta com duas edições, uma de texto e outra ilustrada com fotografias, tendo sido a última totalmente devolvida pelos leitores, pois pensaram que o livro estaria danificado - a imagem de Machu Pichu estava lado a lado com um texto sobre Izmir, entre outros exemplos semelhantes.
O livro foi traduzido para turco, castelhano, quíchua e aimará, sendo um best-seller tanto na Turquia como no Peru. Nestes países sucederam-se várias edições, todas para queimadas públicas: na Turquia, pela defesa de um estado independente curdo por parte do autor; no Peru, por adultério nacional, isto é, por não se admitir que as pessoas que vão ao Peru possam estar a pensar noutros países. Esteve para ser traduzido para inglês, mas o tradutor teve um colapso nervoso logo na tradução do título: Peru ou Turkey, eis a questão.
  • Crónicas em Apneia (2019), crónicas 
Livro que compila as crónicas publicadas na revista Actual e que, segundo revelam as nossas fontes, o autor foi obrigado legalmente a fazê-lo sem auferir vencimento, como forma de ressarcir o jornal, pelo ataque às suas instalações por um grupo de radicais turcos.
Nenhuma das crónicas contém qualquer teor político, sendo a tónica comum as temáticas ligadas a escritores e seus vícios. Podemos aqui encontrar textos como: Hemingway Era Um Duro Mas Tomava Ulcerim Antes do Jantar; O Batom de Capote; Nabokov Tingia as Asas das Borboletas com Cores Ocres; Não Fui Eu: Escrita Directa de Fernando Pessoa. 
  • O Verdugo Não Quer Ser Porteiro (2021), teatro
Peça que esteve em cena no Teatro Nacional D. Maria II, entre 25 de Junho e 16 de Julho de 2023.
Consiste num diálogo de impropérios entre dois vizinhos, ambos mudos, que se insultam em linguagem gestual através da parede que divide as suas casas. O público é convidado a seguir a peça por um libreto, que contém os diálogos em braille.
O autor pediu a reserva das filas A e C, par e ímpar, do 1º balcão, para a FPAS (Federação Portuguesa das Associações de Surdos). Verificou-se que foram estas as filas que permitiram uma melhor compreensão para o resto do público: sempre que se riam, contagiavam a plateia e os camarotes, e parte do 2º balcão.

(continua a continuar a continuação aqui)

Prémio Taveira

Temas para o sucesso na escrita:
  1. Em Portugal: Guerra Colonial e derivados, que é como quem diz: retornados, Angola, Moçambique e Guiné;
  2. Em Espanha: Guerra Civil Espanhola;
  3. Nos Estados Unidos: ser americano;
  4. No Japão: estabelecer dicotomias entre o tradicional e o moderno vestido de seda, ou falar do exótico da Ásia - relações com gueixas, monstros, karaté kid;
  5. Na Europa: posicionamento anti-nazi, de preferência com personagens que tenham estado em Auschwitz ou nas filiais.
Possível enredo:

1936:
Tzvi Castillo encontrava-se de férias em Sevilha.
Gonzalo Queipo de Llano, chefe militar de Franco para a Andaluzia, repara em Tzvi.
Bem, repara que a cidra de Tzvi tem mais espuma que a sua.
Tzvi abandona a Bodega Olé e sente a necessidade de fugir.
1941:
Já instalado na pacata vila de Oświęcim, no sul da Polónia, cruza-se com o que parece ser um cidadão alemão.
Sem reparar que o chão da mercearia ainda se encontrava húmido, escorrega e vai de encontro à cabeça do alemão.
Ficam ambos azamboados:
Tzvi: - Peço desculpa, culpa minha.
Alemão: - Mas... mas... são dois! E iguais!
Tzvi: - Ah, mas está a ver a dobrar. Vou já chamar um médico.
Alemão: - Não é necessário. Eu sou médico.
Tzvi: - Ah, sim?  Por acaso não tenho andado bem. Dá consultas onde?
Alemão: - Em Birkenau.
Tzvi: - Tem cartão?
Alemão: - Aqui tem.
Tzvi não chegou a visitar aquele médico, de nome Mengele, pois deixou a cidade: os seus pulmões já não aguentavam o cheiro a queimado.
1960:
Muda-se para África onde o ar era mais puro.
Instala-se num chalet em Porto Amélia, onde passa os dias a consumir cerveja guineense e cacau santomense. Vive da produção de camarão tigre em viveiro e do tráfico de diamantes angolanos. Conta com a ajuda de dois pajens goeses.
Quando começam os combates, rebentam minas pessoais nas redondezas do chalet. Muitos dos combatentes aterram às peças nos viveiros. Com a nova dieta dos camarões tigres, um deles começa a crescer desmesuradamente. Baptizado de Godzila, Tzvi vende-o a um casal de japoneses que se encontrava de férias na zona.
1970:
Perante a escassez de serviços de limpeza de vísceras, Tzvi usa o dinheiro para se mudar para os Estados Unidos.
Em Nova Iorque conhece uma lituana sobrevivente de gulag, durante a vigência estalinista, por quem se apaixona e vem a casar. Adquire a nacionalidade americana numa loja da cadeia Walmart, após mostrar que estava dentro do peso médio.

Após a publicação, surge a primeira crítica no suplemento Ipsilon:
"Este é um escritor que mete tudo lá dentro."   

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O escritor que se esqueceu de escrever III

(continuação da continuação - parte 2 aqui)

Ante a possibilidade de ser questionado acerca dos seus livros, que não escreveu e de que apenas tinha o esboço mental inicial, Bruno refugiou-se no desconforto do seu lar.
Foi em clausura que foi sabendo do crescimento do seu corpus bibliográfico, da atribuição de prémios e do volume de vendas. Eis o que não escreveu, segundo o que os jornais foram destacando:
  • A demanda em marcha-atrás (2014), romance
Livro de estreia.
Uma história que tem como pano de fundo a guerra colonial, uma vez que o protagonista Emídio Sá tem problemas identitários por apenas ter nascido em 1975 e nunca ter participado na supracitada guerra.
Contou com quatro edições em território nacional e foi traduzido para cinco línguas: castelhano, francês, suaíli, mirandês da Rua Direita e mirandês de arrabaldes.
Laureado com o Prémio LeYa, sobre o qual o júri Pepetela disse: "É um livro." Esta é uma frase sintomática e, como se sabe, altamente intelectual, desde que dita em voz alta e com sotaque crioulo.
  • Quando cheguei eram duas horas antes (2015), romance
Ao segundo livro chega a afirmação de Bruno como escritor.
Emiliano Salas, filho de republicanos espanhóis, mortos durante o cerco de Toledo em 1936, decide ser ele próprio revolucionário, sob inspiração de Guevara e do peyote. Depois de falhar a participação na revolução cubana de 1959 por falta de visto, foi combatente nos levantamentos militares da Argentina, Chile, Nicarágua e Panamá. Emiliano tinha a particularidade de chegar cedo às revoluções e aproveitava esse tempo para conhecer a gastronomia local.
Ideologicamente frustado pelo resultado das revoluções em que participou, sentia-se, pelo contrário, gastronomicamente preenchido. É então que abandona o comunisno e adere ao 'charquicanismo'.
O sabor do guisado chileno leva-o a tornar-se escritor de guias gastronómicos de países ditatoriais. O seu maior sucesso foi Adie-se a Revolução Que Estou a Fazer a Digestão.
Contou com sete edições em território nacional e uma nas Berlengas, sendo traduzido para oito línguas: castelhano, francês, surinamês, quíchua, catalão, coreano, língua dos P's e português adaptado a ciciosos.
Segundo lugar no Prémio Portugal Telecom, ficando atrás do escritor brasileiro Vasco Prazeiroso (descendente da tribo Kambeba), para o qual já havia perdido no ano anterior o Prémio José Saramago.
  • Variações em Fá Sustenido do Verbo Fornicar (2017), contos
Após dois anos sem publicar, surge o primeiro livro que contém seis contos. Destaque-se o conto que dá título ao livro, pois causou enorme polémica. Diga-se que a controvérsia apenas surgiu em 2025, quando Bruno revelou, numa das poucas saídas de casa que se lhe conhecem, o verdadeiro teor do conto. Aconteceu a meio de um fado vadio, em que informa que se as pessoas unissem todos os e's das palavras compreendidas entre as páginas 34 e 35 obteriam um desenho que revelava a silhueta do escritor Vasco Prazeiroso a ser sodomizado por um búfalo americano.
Contou com duas edições antes de 2025 e treze após essa data. Não foi traduzido para qualquer língua, apenas adoptado em forma de folhetim nas escolas básicas do Estado americano do Texas, pois o desenho citado ilustrava para os texanos aquilo que os colonos fizeram à etnia de Vasco Prazeiroso.
Recebeu a chave da cidade de El Paso, por serviços prestados ao Estado do Texas, na categoria Primeira Metáfora Compreendida e Assimilada Sem Ter Que Sacar do Revólver, numa cerimónia que culminou com oitocentas rajadas de metralhadora e apenas cinco mortos.


(continua a continuar aqui)