sexta-feira, 29 de maio de 2015

Reunião da Escola Primária

Amanhã tenho o almoço de reunião dos 30 anos do início da Escola Primária.
Ainda me lembro de várias coisas. Do primeiro dia, por exemplo. Lembro-me do quão difícil foi. Tinha andado apenas um mês na pré-escola porque apanhei um cagaço no recreio com um gajo que levava dentes de drácula para assustar. Era tão inocente, um coninhas, vá!, que pensava que eram reais.
No primeiro dia de escola, de mochila do Speedy Gonzalez às costas e levando à letra as palavras da minha mãe, para nunca perder de vista as minhas coisas, nunca larguei a mochila. Pendurei-me na barra de ferro para dar uma cambalhota e tinha a mochila aberta. Caiu tudo ao chão: livros, estojo de metal escangalhado e pão com marmelada que, nesse momento, ganhou terra como novo condimento. Assim começou o meu percurso escolar: com vergonha e a experimentar comidas novas.
Mais tarde, recordo ter levado na cara de um ser superior de 14 anos, que andava no terceiro ano, por ter marcado um golo a um amigo dele. Uma tareia justificada, portanto. O futebol jogava-se atrás do barracão onde tínhamos aulas, enquanto as miúdas ficavam à frente da sala a jogar ao elástico. Durante duas semanas, também passei a jogar ao elástico. Não por receio de uma certa e determinada pessoa, mas porque perdi o interesse por futebol em detrimento do elástico. Mais uma aprendizagem: apesar de acusado de travestismo pelos meus colegas, desenvolvi formas de dialogar com seres do outro sexo. Do género: "Até no elástico vocês perdem! Os meninos são os melhores!"
Amanhã, espero levar a mochila bem fechada e ai de quem levar dentes de drácula. Juro que bazo imediatamente.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

WC no Shopping Cidade do Porto

Já trabalhei no Centro Comercial Cidade do Porto. Não sei se sabem mas este shopping, apesar de ser pouco frequentado, tem uma grande afluência de encontros homossexuais nas suas casas de banho. É tido como um local de engate e já teve, inclusivamente, uma morte por homicídio num desses encontros.
Este foi o meu encontro.
Aparentemente, há horas marcadas para estas reuniões e o meu intestino colocou o despertador para uma dessas horas sem me avisar. Atenção, tratava-se de uma operação de exportação e não de importação, seus porcalhões; e de exportação de uma grande carga, uma vez que tinha almoçado francesinha e 4 rissóis de carne do Capa Negra. Um dia normal, portanto!
Normalmente, fosse para xixi, fosse para cocó, ia sempre às sanitas. Já estava habituado a ver gajos nos urinóis de calças pelos tornozelos, ou afastados do urinol e a esticar o membro num jogo de pontaria.
Neste dia, eu vi que ia ser uma estadia prolongada, provavelmente com três longos atos e levei comigo "Os Lusíadas", dois tubinhos de Microlax, caso a carga tivesse dificuldade em passar pela porta, e o lanche, pelo sim, pelo não.
As casas de banho são daquele tipo de cabines que permite ver se tem pessoas pela observação de tornozelos. Estava eu ainda na primeira hora de descarga, em pleno prazer, quando vejo uma mão da cabine vizinha a atirar um papel. Tinha uma mensagem:
"Não te sentes sozinho? Queres companhia?"
Eh pá, fiquei doido! E enojado! Porque imaginei-me imediatamente a fazer o mesmo. Entrava numa casa de banho de mulheres, sentava-me na sanita ao lado de uma delas, ouvia-a a dar uns traques e a soltar o alien e, enquanto defecava, perguntava-lhe se ela queria lanchar salame dinamarquês.
E o mais triste é que fiquei meio à espreita para ver quem era e, azar dos azares, era um dos melhores clientes da livraria, que atendi mal entrei na loja. Comprou um livro do Chagas Freitas.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Salvar ou não salvar Palmira

Houve uma altura na minha vida em que, tal como o Estado Islâmico, sonhei com a destruição de Palmira. Não da cidade, mas da D. Palmira.
A D. Palmira era patroa da minha mãe, das minhas duas tias e da minha avó. Trabalhavam todas na lavandaria Sol em Aveiro.

Durante muitos anos, assisti a conversas acerca de aumentos de salários que nunca chegaram a aparecer. No entanto, tudo mudou quando a D. Palmira expandiu o negócio das lavandarias para o das igrejas. Decidiu abrir uma igreja evangélica na rua do Carmo, que ainda hoje existe. No fundo, era um negócio que estava na mesma linha. Quem acreditava no milagre da limpeza a seco, podia muito bem aceitar gravidezes sem cópula.

O que aconteceu de seguida foi surreal. A D. Palmira reuniu a equipa toda e anunciou aumentos para quem abraçasse a nova fé. E não era uma fé qualquer; esta vinha com sotaque de português do Brasil. O pastor Erivaldo tinha vindo de Minas Gerais com o apodo de espiritualista de grau avançado na óptica do utilizador, curandeiro e licenciado em berimbau.
Estava instalada a dúvida. A família dividia-se entre católicos e protestantes, mas sem os problemas da Irlanda. Bem, a única semelhança era o alcoolismo do meu avô. O acréscimo no ordenado permitia uma melhoria significativa de vida, que é o mesmo que dizer: finalmente podia ter o He-Man que andava a pedir há quase dois anos e deixar de ser gozado na escola por ter apenas a She-ra e o seu cavalinho azul-bebé.

A minha avó e as minhas tias aderiram. Tiveram um aumento. O que não sabiam é que tinham que deixar 10% do ordenado todos os meses na nova congregação e acabavam por trazer menos dinheiro para casa. A juntar a isso, a minha tia mais nova desmaiava quase sempre nas reuniões semanais, por não sei quê da fé e teve uma contusão craniana que lhe levou o resto do ordenado durante dois meses. Acabou por abandonar esta fé, que era muito boa ao nível do espírito, mas causava-lhe muitas dores de cabeça.

Eu fiquei a odiar a D. Palmira porque não consegui o He-Man tão desejado. Tive uma versão barata do Skeletor, cuja cabeça brilhava no escuro. Isto fez com que deixasse de dormir durante 3 meses e o único boneco que me podia salvar era a She-ra e o seu estúpido cavalo azul-bebé.