- Da Pasteurização do Corpo (2021), romance
Numa espécie de parábola, o romance trata de três directores de uma associação de surdos que, pouco depois de assumirem o cargo, ficam também eles privados de sons exteriores.
A súbita surdez de pessoas que até então estavam aptas nos cinco sentidos provocou grande comoção social. Grupos formaram-se na crença de que os directores ensurdeceram por osmose, numa espécie de missionação sacrificial. Outros aproveitaram-se para incutir a ideia de que as nomeações políticas não promoviam economicamente antigos dirigentes, bem pelo contrário, indo ao encontro da ideia dos grupos que enfatizavam o sacrifício.
A queda surge no último terço do livro quando Lourenço, bastardo do segundo director, revela aos meios de comunicação social que a surdez advém da pilotagem de biplanos. Os directores haviam transferido fundos da associação para contas pessoais e utilizado o dinheiro para adquirir biplanos e pagar a avença mensal no aeródromo de Maceda. A surdez surgia como consequência do barulho dos motores dos aviões.
O livro termina com o apedrejamento público dos três directores, que nem ouviram as pedras a partir-lhes os crânios.
Bruno tentou fazer passar uma dupla mensagem: se as pessoas criam os seus santos têm o direito, enquanto criadores, de os poderem matar; a surdez como decadência física adveio de uma cedência moral, daí o título do livro: a ideia de que o corpo se preserva pela consciência.
- Lúcia, a Vendedora de Santuários (2025), romance
De acordo com a sua autobiografia, lançada em 2032, esta história surgiu-lhe quando estava internado no Hospital Carmelita de Rilhafoles, a recuperar do ataque das vespas histéricas. Bruno terá descoberto no interior da velha cama de ferro um documento de compra e venda do santuário de Fátima ao Estado Português, datado de 1938. O romance versa sobre esta temática.
O grupo ultra-secreto, com o nome de JEOVAX, é especializado em mediação imobiliária de santuários. Os seus membros são recrutados dentre os párocos que conseguem angariar maiores esmolas. Até aqui tudo bem. Só que os santuários não abundam. É necessário criá-los.
Assim se inicia uma viagem aos meandros da gestação de espaços sagrados.
Lúcia, personagem principal do livro, actriz de profissão, é contratada para fazer de Maria em territórios inóspitos. Na sua primeira aparição, Bruno opera um comparativo irónico, ao colocar a aparição de Maria a par das aparições das figuras públicas em festas e discotecas, mostrando que as massas afluem ao encontro de figuras conhecidas, sob a luz da fama.
O modus operandi da JEOVAX é bastante simples:
- Escolhem um local semi-deserto com boa profusão de luz e som
- Contratam uma actriz (neste caso, Lúcia)
- A actriz engole 666 pirilampos
- Por meio de engodo (chupas ou rebuçados), fazem 2 ou 3 crianças aparecerem no local inóspito
- A actriz surge no topo de uma árvore, reluzente, com uma mensagem secretista
- Deixam o buzz marketing fazer efeito, coadjuvados pelo pároco local
- Romaria massiva ao local, com nova aparição da actriz, agora ainda mais reluzente, encandeando os fiéis e provocando uma cegueira colectiva, que faz os fiéis acreditar que viram a coisas que lhes disseram
- As terras, até então propriedade privada, passam para as mãos da JEOVAX, por uso capião da fé
- Investimento no local com novas infra-estruturas para valorização do terreno
- Venda ao Estado local do imóvel, ficando sempre na posse da patente do franchising
Henrique interroga Lúcia e pede-lhe para ela tornar pública a informação que possui. No dia em que assente, Lúcia desaparece.
Henrique entra numa espiral de loucura. Estava duplamente perdido: sem amor, sem profissão.
Em jeito de epilogo, Bruno oferece-nos um final esotérico-sarcástico: Lúcia reaparece intermitentemente. Ou seja, torna-se aparição. Porém, só consegue aparecer em cabines de peep shows, naquilo que se torna num novo segmento de negócio das sex shops.
- Dois Dedos no Tinto (2027), aforismos
Depois de Lúcia, a Vendedora de Santuários, Bruno refugia-se numa herdade perto de Vendas Novas. Na altura, constava que se havia tornado produtor de vinho, face à desilusão que lhe havia provocado a literatura. A literatura, não. Mais as não consequências da sua literatura. Segundo apurámos, a reclusão de Bruno foi um acto de inacção: reflexo da inacção social face ao que havia denunciado. A sociedade havia abraçado a polémica pela polémica e continuava ávida de novas polémicas, não de mudanças.
Deste modo, tornou-se consumidor de vinho. Nunca produtor. Aliás, o desejo era o de não mais produzir.
Dois Dedos no Tinto foi o inteligente título que Nélson Baltasar (editor e amigo de Bruno) forjou para o último livro de Bruno na sua editora. O editor contou-nos que quando visitava o autor e o tema da conversa enveredava para a literatura, Bruno vociferava impropérios e dizia que se escrevesse, as linhas não mais sairiam do seu cérebro, apenas do fundo das garrafas de 75 cl. Molhava os dedos no copo e escrevia em guardanapos de papel frases soltas. Olhava para a garrafa e depois para Nélson, proferindo frases do género: "Esta não é minha. Põe aí no topo do guardanapo: escrita por Dão de 2007."
Da resma de guardanapos brotou este livro de aforismos, que contou com uma edição comemorativa e facsimilada em 2057, patrocinada pela Renova e que teve ainda uma edição limitada de 15 exemplares em embalagens clássicas, vendidos anonimamente em ilhas de hipermercados.
Deste modo, tornou-se consumidor de vinho. Nunca produtor. Aliás, o desejo era o de não mais produzir.
Dois Dedos no Tinto foi o inteligente título que Nélson Baltasar (editor e amigo de Bruno) forjou para o último livro de Bruno na sua editora. O editor contou-nos que quando visitava o autor e o tema da conversa enveredava para a literatura, Bruno vociferava impropérios e dizia que se escrevesse, as linhas não mais sairiam do seu cérebro, apenas do fundo das garrafas de 75 cl. Molhava os dedos no copo e escrevia em guardanapos de papel frases soltas. Olhava para a garrafa e depois para Nélson, proferindo frases do género: "Esta não é minha. Põe aí no topo do guardanapo: escrita por Dão de 2007."
Da resma de guardanapos brotou este livro de aforismos, que contou com uma edição comemorativa e facsimilada em 2057, patrocinada pela Renova e que teve ainda uma edição limitada de 15 exemplares em embalagens clássicas, vendidos anonimamente em ilhas de hipermercados.
(continua a continuar a continuação da continuação aqui)
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